A maconha é uma planta explorada ao redor do mundo e usada para diversos fins. Vamos dar continuidade a nossa série sobre legalizações em diversos países como Portugal, Israel, Alemanha e Holanda, entendendo como as regulamentações acontecem e quais são as restrições de uso, e neste texto vamos abordar a legalização da cannabis na África do Sul.
Se você pretende visitar a África do Sul e gosta de fumar uma erva, não deixe de ler o nosso conteúdo para entender as principais leis e culturas desse país tão diverso e interessante. Vamos abordar a sua origem, uso recreativo, medicinal, industrial e para turistas.
Origem da cannabis na África do Sul
A cannabis tem uma longa e intrincada história na África do Sul, que remonta a vários séculos. Originária da Ásia Central e do Sul, foi cultivada na China e na Índia desde a antiguidade, principalmente por suas propriedades medicinais e psicoativas. A planta eventualmente se espalhou para outras regiões, incluindo a África, através das rotas comerciais antigas e migrações de povos indígenas.
Na África do Sul, a cannabis ou dagga foi introduzida por meio de migrantes e comerciantes que viajaram para o sul do continente. Acredita-se que a planta tenha chegado à região a partir da Ásia Oriental, possivelmente por meio de rotas comerciais transcontinentais ou pela migração de povos locais. A cannabis passou a ser integrada às práticas tradicionais das comunidades indígenas, como os Khoisan e os Zulus, que usavam a planta tanto para fins medicinais quanto espirituais.
Acredita-se que quando os colonos holandeses desembarcaram – no que é conhecido atualmente como a Cidade do Cabo – no século XVII, encontraram o povo nativo Khoisan fumando a planta. Os Zulus usavam a cannabis para aliviar sintomas de estresse e ansiedade antes de batalhas, e as mulheres Sotho usavam durante o parto.
Com a chegada dos colonizadores europeus no século XVII, a dinâmica do uso da cannabis na África do Sul começou a mudar. Os colonizadores frequentemente viam a planta com desconfiança e procuraram reprimir seu uso, refletindo uma tendência geral de marginalização das práticas culturais locais. No início do século XX, a África do Sul começou a adotar leis para regulamentar e, em muitos casos, proibir o uso da cannabis, alinhando-se às tendências internacionais de repressão.
A partir da segunda metade do século XX, o movimento contra a proibição da cannabis ganhou força. Defensores dos direitos civis e reformadores legais começaram a questionar as leis restritivas, destacando tanto os impactos negativos nas comunidades marginalizadas quanto os potenciais benefícios da planta para a saúde e a economia.
Em 2017, o Tribunal de Cabo Ocidental decidiu sobre um caso, guiado pelo advogado Ras Gareth Prince, que havia sido preso com a sua família por cultivar a dagga em 2012. O Tribunal declarou que a proibição violava o direito à privacidade e em 2018 a alegação foi confirmada. Outro marco importante ocorreu em 2018, quando a Corte Constitucional da África do Sul decidiu que a proibição do uso pessoal de cannabis em casa era inconstitucional, permitindo que adultos cultivassem e consumissem cannabis em suas residências.
Legalização da Cannabis na África do Sul
O presidente Cyril Ramaphosa assinou, no final do mês de maio de 2024, a Lei de Cannabis para Fins Privados, tornando a África do Sul o primeiro país africano a legalizar o uso da planta. Essa Lei possui diversas especificidades e tem como pretensão:
- Respeitar o direito à privacidade de uma pessoa adulta para usar ou possuir a maconha;
- Regular o uso ou posse de cannabis por uma pessoa adulta;
- Prever uma forma alternativa de abordar a questão do uso, posse ou tráfico proibido de cannabis por crianças, tendo em devida conta o melhor interesse da criança;
- Proibir o comércio de cannabis;
- Prever a eliminação de antecedentes criminais de pessoas condenadas por posse ou uso de cannabis ou tráfico de cannabis com base numa presunção;
- Alterar disposições de certas leis;
- Dispor sobre assuntos relacionados a ela.
Vamos entender como ficou a questão do cultivo no país. Em resumo, adultos maiores de 18 anos são livres para cultivar e consumir maconha – exceto na presença de crianças e em lugares onde o público não tenha acesso por direito.
É permitido fumar em locais privados e os adultos podem possuir sementes e mudas ilimitadas de uma planta, até 4 plantas de cannabis com flores por pessoas ou 8 por domicílio – caso morem dois ou mais adultos, até 100 gramas de maconha seca em local público, até 600 gramas de cannabis desidratada por pessoa ou 1.200 gramas por domicílio em local privado.
No caso de penalidades para quem for pego fumando em locais públicos podem variar de multas a prisão, dependendo da classe do crime e da quantidade de cannabis.
Uso medicinal
O uso medicinal na África do Sul é regulado em termos do Medicines and Related Substances Act, 1965. O Medicines Act categoriza drogas e substâncias medicinais em 8 grupos, do cronograma 1 ao 8 e as substâncias consideradas mais tóxicas com o maior nível de acesso restrito.
O documento explicita que o canabidiol (CBD) – que não é psicoativo – e o delta-9 tetrahidrocanabinol (THC)– que é psicoativo – estão vinculadas ao cronograma 7 e consideradas sem uso medicinal legítimo e só podem ser acessadas por meio de uma licença emitida pelo Diretor Geral do Departamento Nacional de Saúde (DoH) do país.
Os pacientes têm acesso à cannabis medicinal na forma de CBD em farmácias, desde que tenham a receita médica. Os produtos de CBD considerados não programados também podem ser obtidos nas farmácias, supermercados, lojas de produtos naturais ou conveniência. O THC, quando usado para fins terapêuticos, pode ser emitido por um farmacêutico em termos de uma receita emitida pelo médico.
Uso recreativo
O uso recreativo tornou-se legal em 2018, após a decisão do Tribunal Constitucional. Ficou decidido que adultos podem, para seu consumo pessoal, possuir e cultivar cannabis. É importante frisar que a privacidade não se limita à moradia, mas pode ser qualquer lugar privado, desde que não seja público.
Como falamos anteriormente, em 2024 o país legalizou o uso da planta e o cultivo, porém, o comércio de cannabis ainda se encontra proibido. Em outras palavras, você pode plantar de forma ilimitada em um espaço privado, desde que não lucre com isso.
Uso industrial
A comercialização seguirá proibida, salvo para fins medicinais. A importação, exportação e distribuição por atacado de cannabis para fins industriais só podem ocorrer por pessoas que possuam a licença emitida pelo DoH, conforme os termos da seção 22A(9)(a)(i) do Medicines Act.
Os produtos medicinais – incluindo os de CBD não programados – devem ser fabricados sob condições de boas práticas de fabricação, em instalações licenciadas conforme a seção 22C do Medicines Act.
Para as categorias de THC, podem ter uso industrial, conforme consta o documento:
- Produtos de fibra de cânhamo processados, como os têxteis e tijolos, quando a concentração de THC for ≤ 0,01%, além de o produto estar em uma forma não adequada para ingestão, inalação ou fumo e não contiver sementes de cannabis inteiras.
- Os produtos de sementes de cannabis, como o óleo de semente de cânhamo e cosméticos, tiverem a concentração ≤ 0,001% e não contiver sementes de cannabis inteiras.
Pode parecer sem sentido a legalização do uso, porém a proibição do comércio. No entanto, acredita-se que essas medidas estão sendo tomadas para não acontecer como o ocorrido na Tailândia, onde a remoção total causou um cenário no mercado da cannabis caótico e desenfreado, resultando em um número alto de dependência e problemas de saúde em pessoas jovens.
Uso para turistas
Conforme consta matéria do National Geographic, a cannabis para turistas na África do Sul está se tornando um importante segmento para o país, o turismo está se expandindo e o mercado está cada vez mais aberto a receber esses turistas.
Restaurantes, bares, hotéis, clubes canábicos e outros estabelecimentos estão ganhando mais espaço e competitividade no mercado após a legalização de 2024. Não podemos afirmar ao certo se o uso para turistas é amplamente aceito, mas fato é que o comércio já se mostra bem preparado para receber esse público.