Luxemburgo se tornou um dos nomes mais comentados no debate internacional sobre legalização da cannabis. Não por ser um gigante populacional ou econômico, mas por adotar, de forma pioneira entre os países da União Europeia, uma abordagem equilibrada e progressista sobre o uso medicinal, recreativo e industrial da planta.
Em um cenário onde os países da UE ainda debatem restrições, Luxemburgo decidiu avançar com mudanças legislativas significativas, apostando na regulação como caminho para controle, saúde pública e combate ao mercado ilícito. E tudo isso sem descuidar da segurança jurídica, do sistema de saúde e das diretrizes europeias sobre o tema.
Você já conhece a história da legalização nos Estados Unidos, Argentina, Chile, Colômbia e outros países que exploramos no blog. Neste artigo, vamos explorar como funciona a regulamentação da cannabis em Luxemburgo, passando pelo histórico legal, pelo uso medicinal, pela recente legalização parcial do uso recreativo e pelo papel do cânhamo industrial no país.
História da cannabis em Luxemburgo

A história legal da cannabis em Luxemburgo é marcada por um processo gradual de flexibilização e racionalização. A planta foi incluída na Lei de 19 de fevereiro de 1973, que tratava da venda de substâncias medicinais e do combate à toxicodependência. Essa lei serviu como base para todas as regulamentações futuras, estabelecendo as diretrizes sobre o que era permitido ou proibido no uso da planta.
Por muitos anos, o país adotou uma postura conservadora, com penalidades severas para o uso recreativo e uma abordagem cautelosa em relação ao uso medicinal. No entanto, à medida que estudos sobre os benefícios terapêuticos da cannabis se multiplicaram, Luxemburgo começou a se mover em direção a uma política mais flexível e centrada em evidências.
A virada mais significativa aconteceu com o Acordo de Coalizão do governo 2018–2023, que previu a autorização do cultivo e do consumo pessoal de cannabis para uso recreativo, além da criação de uma cadeia de produção e distribuição legal, controlada pelo Estado. Esse acordo abriu caminho para a Lei de 2023, que oficializou o início da legalização do uso pessoal da planta.
Como é o uso da cannabis medicinal em Luxemburgo?
Desde 2017, Luxemburgo autoriza o uso medicinal da cannabis, com base em um conjunto de critérios rígidos definidos na própria Lei de 1973, atualizada ao longo dos anos. O artigo 30-2 dessa legislação define o que é cannabis medicinal e quais são os requisitos para que médicos e pacientes possam utilizá-la legalmente.
O que é considerado cannabis medicinal no país? A lei descreve a cannabis medicinal como as partes floridas secas da planta com níveis definidos de THC e CBD, além de extratos, tinturas e óleos de qualidade padronizada e certificada — todos obtidos a partir de plantas do gênero Cannabis, exceto o cânhamo industrial. Para serem utilizados, esses produtos devem ser aprovados pelo Departamento de Saúde do país.
Somente médicos que atuam em Luxemburgo e que tenham feito uma formação específica sobre farmacologia da cannabis medicinal estão autorizados a prescrever. Essa formação inclui tópicos como indicações terapêuticas, apresentação dos produtos e possíveis efeitos colaterais.
No caso dos pacientes, a cannabis é indicada apenas para pacientes que:
- Possuem doenças graves, avançadas ou terminais, especialmente quando associadas à dor crônica;
- Estão em tratamento oncológico com efeitos colaterais severos, como náuseas ou vômitos induzidos por quimioterapia;
- Sofrem de esclerose múltipla com espasticidade muscular;
Além disso, a lei exige que o paciente seja cidadão luxemburguês, residente no país ou beneficiário do sistema de saúde local.
A dispensação dos produtos é feita exclusivamente por farmácias hospitalares, o que garante um controle mais rigoroso e evita desvios para o uso não autorizado.
Cannabis recreativa
Em julho de 2023, Luxemburgo deu um passo histórico e se tornou o primeiro país da União Europeia a legalizar parcialmente o uso recreativo da cannabis. Isso foi possível por meio da Lei de 10 de julho de 2023, que alterou pontos centrais da antiga Lei de 1973.
Em relação à autorização, desde então, cidadãos maiores de 18 anos podem:
- Cultivar até quatro plantas de cannabis por residência;
- Consumir essas plantas dentro de casa ou em local privado, longe da vista de menores;
- Adquirir sementes identificadas, com informação do produtor e aviso de saúde.
A lei continua proibindo o consumo em espaços públicos, o uso próximo a menores de idade, o tráfico e qualquer tentativa de comercialização.
E o que acontece em caso de infração?
Luxemburgo adotou um sistema de sanções proporcional. O transporte ou posse de até 3 gramas de cannabis em locais não autorizados pode resultar em:
- Multas entre 25 e 500 euros, dependendo do contexto;
- Advertência com taxa de 145 euros, se o limite de 3g não for ultrapassado.
Quantidades acima disso ou tentativas de comercialização ainda são tratadas como crimes, com penas mais severas previstas na legislação penal.
Essa nova abordagem busca afastar os consumidores do mercado ilícito, sem estimular o uso indiscriminado. O plano do governo é ir além: estabelecer uma cadeia de produção e distribuição legal, supervisionada pelo Estado, e usar a receita para fortalecer políticas de combate à dependência.
Uso industrial da cannabis
Além dos usos medicinal e recreativo, Luxemburgo também aposta no potencial econômico do cânhamo industrial — variedades de Cannabis sativa com teor de THC inferior a 0,3%, conforme determina a legislação europeia.
O cânhamo pode ser cultivado no país, desde que:
- As sementes estejam em conformidade com as normas da UE;
- O cultivo obedeça aos requisitos de importação e rastreabilidade;
- O teor de THC seja comprovadamente inferior ao limite permitido.
O uso industrial abrange setores como cosméticos, têxteis, construção civil, alimentação e bem-estar animal, além de abrir portas para inovações em áreas como bioplásticos e sustentabilidade agrícola.
Outro ponto importante é a possibilidade de patenteamento de produtos derivados da cannabis. Desde que atendam aos critérios da Convenção Europeia de Patentes (inovação, aplicabilidade, inventividade e aplicação industrial), é possível registrar invenções baseadas em cannabis, com exceção das próprias variedades da planta ou métodos cirúrgicos/terapêuticos em humanos e animais.
Isso incentiva o desenvolvimento de novas tecnologias, produtos e soluções ligadas à cannabis, colocando Luxemburgo como um potencial polo de inovação dentro da Europa.
Turistas podem usar cannabis em Luxemburgo?

Para quem vai visitar Luxemburgo, é crucial entender que não podem consumir cannabis legalmente, a não ser que estejam dentro das regras extremamente restritas previstas na nova legislação do país.
Se o turista for cidadão da União Europeia ou tiver um seguro de saúde em Luxemburgo, e estiver em tratamento médico autorizado com prescrição válida, pode utilizar cannabis medicinal conforme as regras do país (mas isso é bem restrito e exige documentação médica local).
E o que não é permitido para os turistas?
- Turistas não podem comprar cannabis recreativa no país, pois ainda não há sistema legal de venda ou distribuição regulamentada.
- O consumo público continua proibido — inclusive para residentes.
- Turistas não podem transportar, cultivar ou portar cannabis no território luxemburguês, mesmo que estejam em países onde isso é legal.
- A posse de até 3 gramas para uso pessoal pode levar a advertência e multa de até 145 euros. Acima disso, pode ser tratado como crime.
Ou seja, a legalização da cannabis recreativa em Luxemburgo é válida apenas para residentes adultos que cultivem até 4 plantas em casa, de forma privada e longe da vista de menores ou do espaço público. Não há liberação para turistas ou venda em estabelecimentos — pelo menos, ainda não.


