Você sabia que o primeiro animal a fazer tratamento com cannabis de forma legal no Brasil foi uma gata? Desde esse episódio, que marcou o início de uma discussão pública sobre o uso veterinário da planta, muita coisa mudou, inclusive na legislação. Entenda como a história da gatinha Denise virou símbolo de uma nova era para a saúde animal no país.
A história da gata Denise
Em 2019, a gata Denise, na época com de 15 anos, passou a usar canabidiol (CBD) com autorização judicial. Tetraplégica e com histórico de convulsões, ela foi acompanhada por médicos da USP, que sugeriram o uso da substância como alternativa terapêutica. A partir daí, Denise se tornou a primeira paciente veterinária a usar cannabis de forma legal no Brasil.
A repercussão do caso foi tão grande que um abaixo-assinado pedindo a liberação do tratamento alcançou milhares de assinaturas. O caso mostrou não só o potencial terapêutico da cannabis em animais, mas também como o Brasil ainda não estava preparado, do ponto de vista legal e regulatório, para acompanhar a evolução da medicina veterinária canábica.
Denise faleceu em 2024 e deixou um grande legado para o avanço no tratamento de animais com cannabis medicinal. Sua tutora Simone Gatto segue fazendo um lindo trabalho de ativismo e cuidando de muitos outros animais que precisam tanto deste tratamento.
O que mudou desde então?
Até pouco tempo atrás, médicos-veterinários enfrentavam insegurança jurídica ao prescrever cannabis, já que a legislação não contemplava o uso veterinário com clareza. Mesmo com uma demanda crescente por alternativas naturais e eficazes para tratar condições como dor crônica, epilepsia, ansiedade e inflamações, não havia respaldo específico para essa atuação.
Mas isso mudou com atualizações importantes nas normas da Anvisa e do Ministério da Agricultura (MAPA).
Veterinários agora podem prescrever cannabis legalmente
Desde outubro de 2024, médicos-veterinários passaram a ter autorização oficial para prescrever produtos à base de cannabis para animais, desde que estejam devidamente regularizados. Isso inclui:
- Medicamentos registrados pela Anvisa que contenham derivados de cannabis;
- Produtos com autorização sanitária da Anvisa (segundo a RDC 327/2019);
- Produtos veterinários que venham a ser aprovados pelo MAPA no futuro.
Ou seja, a prescrição veterinária de cannabis está, enfim, regulamentada e exige receita de controle especial, assim como outros medicamentos sujeitos a regras sanitárias específicas.
Essa atualização se baseia na Portaria SVS/MS nº 344/1998, que já disciplinava o uso de substâncias sujeitas a controle especial no Brasil. Agora, ela passa a incorporar formalmente também os produtos de cannabis com uso veterinário.
O papel do MAPA e o futuro dos produtos veterinários com cannabis
Além de permitir a prescrição, a nova regulamentação abre caminho para que o MAPA aprove produtos veterinários à base de cannabis de forma segura, clara e padronizada. Isso representa um avanço enorme não só para médicos-veterinários e tutores, mas também para a indústria que já começa a se movimentar para desenvolver soluções pensadas especialmente para os pets.
Isso significa que, em breve, produtos desenvolvidos especificamente para cães, gatos e outros animais — com dosagens e formulações adequadas — poderão ser vendidos com autorização sanitária, fortalecendo o uso terapêutico com respaldo técnico.
O que já sabemos sobre cannabis na saúde animal?
Apesar de ainda haver poucos estudos clínicos robustos, a evidência empírica e os primeiros estudos apontam benefícios importantes, principalmente do CBD, no controle da dor, da ansiedade e de convulsões em animais. Nos Estados Unidos, Canadá e Europa, o uso veterinário da cannabis já é consolidado em muitos lugares, com produtos específicos e até recomendações por conselhos veterinários.
Apesar de existirem registros de que o primeiro uso da cannabis para fins veterinários tenha ocorrido na Índia, no século XII, para tratar questões médicas dos gados e vacas, se considera que o primeiro animal a usar cannabis para fins medicinais no mundo tenha sido o cavalo, mas anos mais tarde.

Em 1607, Edward Topsell, célebre autor especializado em animais, afirmou que uma mistura de sementes de cânhamo com ração poderia ajudar os cavalos a ganharem peso. Mais adiante, em 1800, veterinários dos Estados Unidos também já prescreviam medicamentos à base de cannabis para tratar cólicas equinas.
Já os cães foram estudados logo em seguida, em 1843, quando o médico irlandês William O’Shaughnessy concluiu, em um estudo, que o cânhamo, em pequenas doses, tem potencial significativo de estimular órgãos digestivos, excitar o sistema cerebral e atuar no sistema reprodutor desses animais.
No Brasil, a tendência é que essa evolução se intensifique. Com a legalização da prescrição e o futuro lançamento de produtos específicos, cresce também a necessidade de formação profissional e acesso à informação de qualidade, tanto para médicos quanto para tutores.
De liminar à política pública
A trajetória da Denise mostra como casos individuais podem acelerar mudanças estruturais. Em 2019, o acesso à cannabis por animais só era possível por meio de liminares. Hoje, com regulamentação clara e o envolvimento de dois órgãos federais (Anvisa e MAPA), o uso veterinário da cannabis passa a ser parte da política pública de saúde animal.
Essa conquista reforça a importância da luta por acesso, ciência e autonomia terapêutica, para humanos e para nossos companheiros de quatro patas.
O caso da gata Denise foi o primeiro passo. Agora, com respaldo legal, os veterinários podem prescrever produtos à base de cannabis com mais segurança, e o mercado começa a se preparar para oferecer soluções veterinárias de qualidade. A medicina canábica animal está deixando de ser tabu e se tornando uma realidade com base científica, regulamentar e ética.
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