Usada há mais de 5.000 anos para diversos fins, a maconha (cannabis, marijuana, hemp, cânhamo, erva, djamba, e uma série de outras nomenclaturas) gera bastante controvérsia entre seus defensores e críticos. Um dos principais argumentos daqueles que são a favor da legalização é que toda polêmica gira em torno de nada mais, nada menos que uma planta, enquanto os críticos se posicionam contra o consumo mais tradicional, conhecido como uso adulto ou recreativo. Porém, será que ela pode ser definida como uma única planta, apenas com potenciais psicoativos que “chapam”?
É equivocado definir a Cannabis sativa como uma única planta; é uma única espécie, mas existem diversas de suas variações, com diferentes características e utilidades. O cânhamo, por exemplo, tem até 0,3% de tetrahidrocanabinol (THC) e, portanto, não é intoxicante, e tem seu caule e suas fibras utilizadas para fins industriais e suas sementes para suplementos nutricionais, cosméticos e outros. Já a cannabis também é proveniente da mesma espécie, mas é consumida de forma recreativa e medicinal, tornando-se a mais conhecida e a principal responsável pela polêmica em torno da erva. Ambas possuem compostos iguais, porém em diferentes proporções.
Tanto o cânhamo como a cannabis tem estruturas de reprodução femininas e masculinas. A planta masculina tem inflorescências com bolsas de pólen em formato de sino que, quando se abrem, expelem os minúsculos grãos amarelados e polinizam as fêmeas em floração, ocorrendo a fecundação e a produção de sementes. Por outro lado, as que têm estrutura feminina e não são fecundadas, geram os buds, conhecidos como flores em português, mas, mais recentemente, definidos como frutos partenocárpicos, isto é, que se formam sem fecundação, segundo um estudo do pesquisador franco-argeliano Kenzi Riboulet-Zemouli. Esses frutos são as partes preferidas da maconha, por serem consumidos no fumo, nos alimentos, nas bebidas, nos medicamentos e em tantos outros usos.
Em situações de estresse, em que a planta se vê em um ambiente hostil para continuar sobrevivendo, para assegurar que vai conseguir promover a continuidade de sua espécie, ela desenvolve os dois sexos (masculino e feminino) para se autofecundar e gerar sementes, tornando-se hermafrodita. Esse acontecimento prejudica o desenvolvimento dos buds e, por consequência, de seus benefícios, já que as plantas nessas condições gastam energia gerando sementes ao invés de engordando os buds. Por isso, esse acontecimento é evitado nos laboratórios e territórios de cultivo, mesmo sendo muito comum em plantações outdoor.
A cannabis é utilizada em sua forma feminina, mas as masculinas não são totalmente dispensáveis antes do processo de polinização (o depois não é considerado, pois morrem rapidamente); existem diversas formas de utilizá-las. Em contrapartida, o cânhamo, por exemplo, é usado em ambos os sexos para muitos de seus usos.
A cannabis feminina
Ainda que o principal símbolo da maconha seja a folha de cinco a nove pontas e com detalhes rendados em suas extremidades, os elementos mais valiosos da cannabis feminina – na visão da indústria – ficam localizados rentes ao corpo da erva e são colhidos quando as folhas são aparadas. Os chamados buds são formados por cálices, caules, pistilos e tricomas, sendo estes últimos resinas cristalizadas e pegajosas que contém terpenos, canabinoides e flavonoides. Todos esses compostos são fundamentais para os fatores positivos da planta, já que interagem com o sistema endocanabinoide do corpo humano.
Os terpenos são óleos essenciais que dão aromas e sabores, além de terem potenciais medicinais importantes. Já foram identificados mais de 100 tipos diferentes na cannabis, como: o mirceno, herbal, presente na manga e anti-inflamatório; o pineno, com aroma de pinheiro, evidente no alecrim e ajuda na ansiedade; o limoneno, cítrico, presente no hortelã-pimenta e benéfico para o tratamento de câncer; e outros. Esses mesmos terpenos são os responsáveis pelo cheiro e sabor sentido em outras flores e frutos da natureza.
Em conjunto com os terpenos e flavonoides, que serão explicados a seguir, os canabinoides propiciam o efeito entourage, que aumenta os potenciais terapêuticos da planta. Eles são os principais ativos químicos da cannabis e os dois mais conhecidos são o THC, intoxicante e associado à sensação de “chapar” , e o canabidiol (CBD), não-intoxicante e frequentemente relacionado ao uso medicinal. Ainda assim, há outros canabinoides importantes, como canabinol (CBN), canabigerol (CBG), tetrahidrocanabivarina (THCV), entre outros. Diversos estudos apontam a eficácia desses elementos para a diminuição de convulsões, apaziguamento da dor, controle de insônia, etc, e, por isso, ajudam no tratamento de inúmeras doenças.
Por último, os flavonoides, encontrados em toda natureza, têm como função primordial proporcionar as cores das plantas para, então, atrair polinizadores. Em algumas cepas da maconha, por exemplo, observam-se características roxas, além das verdes comuns. Esses compostos também protegem as folhagens dos raios UVA, pragas e doenças, bem como são responsáveis por aromas e sabores, agindo sinergicamente com os terpenos. E não para por aí: assim como os outros elementos, os flavonoides também têm papéis medicinais, sendo antifúngico, antioxidante e mais.
Sativa, indica, híbrida ou ruderalis?
Tal qual os outros seres vivos, as cannabis femininas não são todas iguais. Elas têm características distintas entre si, seja física ou biologicamente.
Antes, os efeitos da maconha eram constantemente relacionados às cepas (strains, em inglês) sativa, indica, híbrida ou ruderalis – nesse caso, o termo “sativa” não é referente ao nome científico da planta, como foi mencionado acima. O entendimento de que cada variação oferecia sensações específicas, como o fato da sativa ser mais energética e a indica mais calmante, no entanto, foi por água abaixo ao longo dos anos. Ainda assim, elas são fisiologicamente distintas.
A sativa, que atualmente é mais chamada de NLV (Narrow Leaf Varietals ou, em tradução livre, Variedades de Folhas Estreitas), por exemplo, é mais alta e tem folhagens mais finas e com tons mais claros de verde, além de ser mais adaptada a climas quentes e úmidos. A indica que atualmente é chamada de BLV (Broad Leaf Varieties ou, em tradução livre, Variedades de Folhas Largas), por outro lado, é menor e com folhas mais largas e escuras, e é acostumada a climas frios e secos. Já a ruderalis nada mais é do que a espécie ancestral da cannabis – ainda não se sabe, porém, se é um terceiro tipo de maconha ou se é uma variação da sativa ou indica. Por fim, a híbrida é a mais comum nos dias de hoje, pois, com a industrialização do cultivo, a mistura das diferentes cepas proporciona as características necessárias para um cultivo de acordo com as preferências de cada jardineiro.
Os principais responsáveis pelos impactos químicos da planta, na verdade, são os terpenos, canabinoides e flavonoides presentes, que não estão diretamente relacionados a cada cepa. Segundo o horticultor e produtor de cannabis, Edward Rosenthal, em tradução livre, “o que realmente determina os impactos de uma variedade específica é como a concentração e a proporção de canabinoides interagem com o perfil de terpeno, e aqui encontramos alguma correlação frouxa entre certos perfis de terpeno associados a efeitos de indica e sativa e a real dominância genética de indica ou sativa”.
Para além dos buds
Para entender a anatomia da Cannabis sativa, no entanto, é importante se ater aos outros compostos estruturais da planta que não as flores.
Sem as sementes, propriedades localizadas em um invólucro presente nas flores, sequer haveria maconha. As raízes, na base do caule, garantem a hidratação e a estabilidade da erva no solo, além de realizar outras funções complexas e ter benefícios químicos. Em seguida, como sinal de germinação, surgem as pequenas folhas chamadas de cotilédones, que darão origem às folhas maiores tão conhecidas. Os caules rígidos e robustos dão forma à cannabis e transportam a água para todas as suas extremidades, e também contêm canabinoides, mesmo que em quantidade pequena, o que significa que também podem ser utilizados. Estes se dividem em ramos e viabilizam a estrutura para as folhas realizarem a fotossíntese.
As folhas em lança, descritas no início do texto, são a fonte de energia por trás da fotossíntese e elas apontam a saúde da planta. Nelas, também há canabinoides que podem ser usados para fazer haxixe, extratos, saladas, chás e mais. Outro elemento importante da estrutura da maconha são as folhas de açúcar, que, na verdade, têm esse nome por serem cobertas de resinas cristalizadas e cintilantes. Espetadas e compridas, elas também realizam fotossíntese e são um ponto localizado de produção dos tricomas, o que as caracteriza como a segunda parte da cannabis que mais oferece canabinoides. Ao podá-las, é possível chegar nos tão procurados e valiosos buds.