O uso adulto da cannabis ainda não tem tanto apoio quanto o uso medicinal ou industrial da planta, principalmente pela questão do estigma. No entanto, a regulamentação desse tipo de consumo é tão relevante quanto o medicinal ou industrial, podendo gerar um mercado com vantagens econômicas, sociais e de saúde pública.
Consumir maconha para fins recreativos significa utilizar a planta para “chapar”, isto é, para obter seus efeitos psicotrópicos, que causam uma série de sensações como relaxamento, risos espontâneos, sonolência, euforia, aumento no apetite, leve perda de coordenação motora, entre outras. No entanto, durante o proibicionismo, esses efeitos eram vendidos como nocivos à saúde e à sociedade no geral, o que até hoje é perpetuado por pessoas que acreditam nessa ideia errônea e baseada em uma série de preconceitos.
Impactos econômicos da regulamentação do uso adulto
No Brasil atual, já existe um mercado de uso recreativo da maconha, apesar de ilegal. De acordo com uma pesquisa da Fiocruz, mais de 16 milhões habitantes do país já usaram cannabis alguma vez, representando 7,7% da população. Pode-se afirmar, no entanto, que esse número é subnotificado, já que, em outra pesquisa realizada pelo Senado, 78% dos entrevistados do estudo afirmaram conhecer alguém que fuma maconha. O volume de apreensões da planta por parte da Polícia Rodoviária Federal também é um indicador dessa subnotificação, causada, muito provavelmente, pelo estigma em torno do tema.
Com uma regulamentação, portanto, o número de usuários frequentes seria elucidado e a maior parte dos valores que hoje são revertidos para o mercado ilegal poderiam ser aproveitados pelo Estado. De acordo com um levantamento da Kaya Mind para o relatório Impacto Econômico da Cannabis, lançado em 2021, seriam movimentados entre R$ 7 bilhões e R$ 51 bilhões com a regulamentação do uso adulto no Brasil, considerando o preço mínimo e máximo do grama a ser vendido. Destes valores, poderiam ser arrecadados de R$ 3 bilhões a R$ 21 bilhões de impostos, o que poderia ser revertido para uma série de políticas públicas importantes para o desenvolvimento do país.
No Uruguai, Canadá e em estados dos Estados Unidos onde existe uma regulamentação do uso recreativo da planta, pode-se ver como esse mercado traz uma movimentação relevante no cenário econômico. Afinal, existe uma variedade de oportunidades de negócios nessa indústria, que tocam desde a comercialização da flor em si, bem como bebidas e comidas à base de fitocanabinoides da planta, acessórios que podem ser usados para consumo, entre outros.
Mudanças no âmbito social
O uso adulto da maconha é discriminado no Brasil desde o início da abolição da escravatura, quando o Governo passou a penalizar esse tipo de consumo como uma nova forma de controlar e isolar a população negra, que fazia um uso cultural e religioso da cannabis. Esse cenário tomou proporções ainda maiores quando países ao redor do mundo aderiram ao proibicionismo, que também foi estabelecido por meio de contextos preconceituosos e oportunistas.
A Lei de Drogas, institucionalizada em 2006, também contribuiu para a segregação da população negra, pois descriminalizava o usuário da maconha, mas ainda penalizava o tráfico sem uma especificação concreta de quantidade da planta a ser permitida. Dessa forma, a polícia e o sistema judicial foram encarregados de definir quais indivíduos seriam encarcerados ou não, o que, obviamente, devido ao racismo histórico e estrutural, desfavoreceu as pessoas negras e da periferia. Além do encarceramento em massa, essa política levou a um aumento de violência e morte dessas populações.
É impossível, portanto, pensar em uma regulamentação do uso adulto sem falar em reparação histórica. A própria legalização desse tipo de consumo já diminuiria o encarceramento e violência contra essas pessoas, mas ainda seria necessário pensar em formas de incluí-las no mercado legal para que as oportunidades de negócio e econômicas não priorizem apenas os ricos e brancos, como normalmente ocorre no país. Em um cenário ideal, seria essencial que as pessoas negras e periféricas ocupassem posições importantes de empresas do ramo, pois, hoje, no mercado de cannabis medicinal, o que se vê é uma maioria de homens brancos em cargos de liderança.
Além disso, diante de uma regulamentação ampla da cannabis, alguns projetos internacionais já preveem a soltura de pessoas que foram presas por tráfico ou uso adulto da planta. Esse seria um processo importante no país, pois existem mais de 680 mil presos no país (g1, 2021), posicionando o Brasil em terceiro lugar em relação ao número absoluto de presos no mundo. Esse fato faz com que prisões funcionem com 54,9% acima de suas capacidades (g1, 2021), o que causa condições insalubres e desumanas dentro das celas.
Regular o uso adulto é uma questão de saúde pública
O fato da planta ser criminalizada no âmbito recreativo não significa que as pessoas deixam de a consumir. No entanto, no mercado ilegal, esse uso é feito de forma irresponsável e que pode gerar consequências significativas para a saúde. Como a maconha que chega no Brasil é ilegal, não há como saber a proveniência da planta, podendo, muitas vezes, ser cultivada de forma errada, mal conservada e até velha. Alguns dos elementos que podem ser encontrados em uma planta de má qualidade são: solução de bateria, esterco, urina etc.
A regulamentação, portanto, poderia evitar o consumo dessas substâncias nocivas ao organismo, proporcionando uma maconha de qualidade e que geraria muito menos danos colaterais do que a proveniente da ilegalidade. Com a legalização do uso adulto, os usuários também fariam um consumo mais consciente da planta, já que não dependeriam de maneiras ilegais para ter acesso e não se sentiriam apreensivos de procurar ajuda caso vivenciassem efeitos colaterais do uso. Por isso, esse tema é uma questão de saúde pública, pois com uma estratégia de redução de danos, seria possível controlar as possíveis consequências do uso de substâncias psicotrópicas e psicoativas.
Os impactos da legalização da planta no mercado de uso adulto, portanto, percorreriam por âmbitos relevantes e merecem ser considerados, apesar do preconceito existente em torno do assunto. É importante lembrar que o uso adulto também pode servir de forma terapêutica para muitas pessoas e que o consumo de maconha não gera efeitos colaterais significativos – até então, não há nenhum caso de overdose por cannabis registrado no mundo. Porém, é claro que existem formas de uso que não são recomendadas, como durante a adolescência.