Ultimamente, o cânhamo, uma das subespécies da Cannabis Sativa L., tem sido protagonista de debates nos governos e entre os defensores da pauta canábica, bem como tem conquistado espaços significativos nas regulamentações de diversos países do mundo. Mas não é de agora que essa planta, com inúmeros fins industriais, é parte da história da humanidade.
Estudos mostram que, desde 10.000 a.C., o cânhamo tinha sua fibra usada em objetos de cerâmica na ilha de Taiwan, país ao leste da China. O historiador da Grécia clássica, Heródoto de Halicarnaso, inclusive, já escreveu sobre a planta: “Do mencionado cânhamo tomam, então, a semente os citas impuros e contaminados por algum enterro jogando-a aos punhados sobre as pedras penetradas pelo fogo, enquanto eles ficam dentro de sua estufa. A semente levanta uma fumaça cheirosa e desprende tanto vapor que não há estufa alguma entre os gregos que supere isso. Ao mesmo tempo, os citas gritam de prazer, como se estivessem se banhando em em água de rosas e esta função lhes serve de banho, porque nunca se habituaram a tomar banho”.
A entrada do cânhamo na Europa se deu por meio das embarcações e dos vestuários feitos de suas fibras, que chegaram em Roma, na Itália. Esse uso se manteve no continente por milhares de anos, tanto que foi da mesma forma que a planta chegou à Roma, que ela chegou ao Brasil, em 1500, com a colonização dos portugueses.
Suas vantagens logo se tornaram de conhecimento de várias nações, que não aquelas que já a cultivavam há séculos, como é o caso da China. Os Estados Unidos foram um dos adeptos de seu cultivo, utilizando sua fibra, retirada do caule, para a produção de papel, além de tecido para fazer cordas, velas de barco, redes de pesca e outros materiais. Inclusive, a fabricante de automóveis, Ford, também passou a desenvolver combustíveis e plásticos a partir do óleo do cânhamo, extraído de suas sementes.
No entanto, toda essa produção foi banida do país norte-americano depois de uma forte campanha contra a cannabis, liderada por Harry Anslinger, Comissário do serviço de Narcóticos dos EUA. Apesar do cânhamo não ter substâncias psicotrópicas como a maconha, por ter uma concentração menor de THC, ele foi englobado no que se dizia ser uma substância perigosa e que tornava as pessoas violentas. Vale ressaltar que foi feita essa associação, pois a cannabis fazia parte da cultura e dos costumes de imigrantes mexicanos e de músicos de jazz negros, então criminalizar a cannabis era uma questão de segregação e marginalização dessas populações. Além disso, existia um impasse entre as indústrias tradicionais de papel e tecidos que enxergavam o cânhamo com competitividade. Anslinger, não coincidentemente, tinha relações com grandes nomes dessas indústrias, o que faz os historiadores acreditarem que ele quis beneficiá-los. Dois coelhos com uma cajadada só.
Esse movimento contra a erva funcionou não só nos Estados Unidos, como mundo afora. O Brasil, por exemplo, também cultivava cânhamo com o objetivo de produzir tecidos – a colônia portuguesa incentivava fortemente essa agricultura – e interrompeu esse processo, apesar da criminalização ter começado a tomar forma no país após a abolição da escravatura. Nações da Europa também brecaram essa produção a todo vapor da planta, mas a China continuou a seguir esse caminho tão vantajoso.
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Atual regulamentação do cânhamo
Hoje, o território asiático é o maior produtor de cânhamo do mundo, ainda dedicando essa cultura para a fabricação de tecidos – são mais de 407 mil hectares de área de cânhamo cultivados. Todavia, a região da Europa também desponta como uma possível potência; países como França, Lituânia, Alemanha, Reino Unido e tantos outros voltaram a investir nesse cultivo a partir do momento que estudos a respeito dos benefícios da planta e do fracasso da guerra às drogas passaram a ser divulgados.
O cânhamo tem inúmeras utilidades e, além de oferecer matérias primas essenciais para a sociedade, tem vantagens claras quando se considera seu impacto ambiental. Sua produção é carbono negativa, pode ser feita com menos ou nenhum uso de agrotóxicos, usa menos água do que outras culturas tradicionais, gera biocombustíveis e bioplásticos, a ingestão de suas sementes tem propriedades nutricionais suficientes para substituir o consumo de carne, seu cultivo tem um potencial de reparação de solos prejudicados por substâncias tóxicas, entre outras.
É inevitável pensar o tanto de vantagens que o Brasil está perdendo com a falta de regulamentação desse uso industrial da cannabis. Além de não se beneficiar de suas qualidades ecofriendly, priva-se de ganhos econômicos capazes de transformar a arrecadação tributária do país e o mercado de trabalho. O cultivo da planta poderia ocupar cerca de 15 mil hectares, sem prejudicar as outras agriculturas do país ou incentivar o desmatamento, e ainda supriria a necessidade de medicamentos à base de cannabis entre os brasileiros com condições médicas – projeta-se que o Brasil se assemelharia ao modelo dos EUA, dedicando a cultura do cânhamo à produtos derivados de cannabis, pelo fato da planta conter mais CBD do que THC. No segundo relatório da Kaya Mind, “Impacto Econômico da Cannabis”, você pode entender melhor sobre o potencial de cultivo de cânhamo em território brasileiro, bem como de outros dois usos da cannabis: medicinal e uso adulto.