A guerra às drogas nunca saiu barata. Criada sob o pretexto de conter o tráfico e proteger a sociedade, essa política pública tem sido questionada cada vez mais por seu custo bilionário, ineficiência na redução do consumo e, sobretudo, por seu impacto social desproporcional. A maconha é a substância ilícita mais consumida no país e, paradoxalmente, uma das que mais gera prisões por tráfico — muitas vezes com base em quantidades pequenas e sem comprovação de comércio.
Enquanto diversos países caminham para regulamentações mais flexíveis e eficazes, o Brasil segue gastando recursos públicos, lotando presídios e sufocando possibilidades econômicas em nome de um modelo que já se mostrou falho. Neste artigo, a gente investiga os impactos reais — financeiros, sociais e legais — dessa proibição, trazendo dados atualizados, reflexões críticas e caminhos possíveis para uma política mais justa e inteligente.
Quanto custa a guerra às drogas no Brasil?
A política de guerra às drogas no Brasil tem sido amplamente questionada por especialistas, instituições e movimentos sociais. Implantada como resposta à expansão do tráfico e ao aumento do consumo de substâncias psicoativas, essa estratégia se mantém há décadas como eixo central da política criminal e de segurança pública no país.

No entanto, os dados mais recentes mostram que seus impactos vão muito além da criminalização de condutas individuais. A proibição da maconha, em especial, tem se mostrado uma política cara, ineficaz e socialmente desigual.
De acordo com o Anuário de Growshops, Headshops e Marcas 2024, o Brasil possui cerca de 850 mil pessoas presas sob regimes fechado ou aberto. Dentre elas, aproximadamente 25% cumprem pena por crimes relacionados ao tráfico de substâncias ilegais. O tráfico é hoje um dos principais vetores de encarceramento no país, sendo responsável por:
- mais de 1/4 das condenações entre os homens;
- mais de 1/3 entre as mulheres.
O custo direto dessa política é expressivo. Apenas em 2023, os gastos públicos com pessoas condenadas por tráfico de drogas somaram mais de R$ 6,1 bilhões. Isso inclui despesas com alimentação, segurança, infraestrutura carcerária e outros serviços necessários à manutenção do sistema prisional.
Mas esse número é apenas a ponta do iceberg. Os custos indiretos da guerra às drogas incluem:
- Operações das forças de segurança pública;
- Processos no Judiciário e atuação do Ministério Público;
- Gasto com defensoria pública;
- Oportunidades econômicas perdidas com a ausência de um mercado legal regulado.
Além disso, o proibicionismo afasta pessoas da sociedade produtiva, interrompe vínculos familiares e agrava desigualdades sociais.
Como a guerra às drogas impacta o mercado?
O proibicionismo também afeta diretamente o funcionamento de mercados legais e a criação de novos setores econômicos. No caso específico da maconha, a ilegalidade restringe o desenvolvimento de uma cadeia produtiva que poderia envolver desde o cultivo até a venda de produtos derivados, passando por indústrias de tecnologia, cosméticos, alimentos, vestuário e bem-estar.
Mesmo em um cenário adverso, o mercado periférico de produtos relacionados ao uso adulto da maconha tem crescido de forma significativa. O Anuário de GHM identificou mais de 640 pontos de venda especializados ativos no Brasil, entre headshops e growshops. Isso demonstra que, apesar das barreiras legais e da insegurança jurídica, existe demanda, circulação de capital e um ecossistema em expansão voltado para esse público.
O que se vê é um mercado real, operante, e com potencial de crescimento, mas limitado por barreiras legais e por um estigma histórico. A consequência disso é:
- Menor formalização de empresas
- Redução de investimentos
- Ausência de segurança jurídica para empreendedores
- Falta de políticas públicas voltadas ao consumo seguro e consciente
Mesmo com a expansão do mercado global, o Brasil segue à margem do desenvolvimento canábico, insistindo numa política de repressão.
O que mostra o relatório “Efeito Bumerangue”?
Em 2021, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) lançou o relatório “Efeito Bumerangue: o custo da proibição das drogas”, um dos documentos mais relevantes sobre os impactos econômicos, sociais e institucionais da política de guerra às drogas no Brasil. O relatório oferece uma análise profunda sobre o quanto o país investe para manter a proibição e quais seriam os caminhos alternativos possíveis.
De acordo com o estudo, o Brasil gastou, somente em 2017, cerca de R$ 5,2 bilhões com a criminalização das drogas, valor que inclui despesas com encarceramento, policiamento, sistema judiciário e Ministério Público. Um dos pontos mais críticos abordados pelo CESeC é que esse montante não se traduz em redução significativa no consumo de substâncias. Pelo contrário: a repressão tem alimentado a violência, ampliado o encarceramento em massa e contribuído para a estigmatização de populações vulnerabilizadas, especialmente jovens negros e periféricos.
Entre os principais dados e reflexões apresentados no relatório:
- 25% das prisões no Brasil estão relacionadas ao tráfico de drogas, sendo a maioria por quantidades pequenas;
- A guerra às drogas representa mais de 10% dos gastos com segurança pública em alguns estados brasileiros;
- A falta de critérios objetivos para diferenciar usuário de traficante perpetua injustiças e desigualdades;
- O aumento do encarceramento feminino está diretamente relacionado às leis antidrogas, especialmente entre mulheres negras.
O relatório também destaca que a criminalização da maconha responde por boa parte das detenções por tráfico no país, embora seja a substância ilícita mais amplamente consumida. Segundo os autores, legalizar e regular o uso da maconha poderia gerar arrecadação de impostos, abrir espaço para novos empregos formais e reduzir significativamente os custos do sistema penal, além de preservar vidas e reduzir a violência associada ao comércio clandestino.
Para quem defende uma abordagem baseada em saúde pública, direitos humanos e dados concretos, o relatório é leitura indispensável e serve como base para discutir um futuro mais inteligente e justo para a política de drogas no Brasil.
Além deste relatório, outro documento importante é o “Tiro no Pé: impactos da proibição das drogas no orçamento do Sistema de Justiça Criminal do Rio de Janeiro e São Paulo“, lançado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) em março de 2021, os estados de SP e RJ gastaram R$ 5,2 bilhões em um ano com ações voltadas ao combate às substâncias ilícitas.
O mesmo documento fez uma comparação entre esse número e valores de implementação e manutenção de políticas públicas. Com R$ 5,2 bilhões seria possível, por exemplo, manter mais de 1 milhão de alunos no ensino médio da rede pública por um ano, garantir o auxílio emergencial de R$ 600 para 728 mil famílias, comprar 108 milhões de doses de vacinas CoronaVac e Astrazeneca, entre outras realizações. Imagina, então, quantos benefícios a população brasileira teria se fossem contados os gastos de todos os estados do país com a guerra às drogas?
Leis que envolvem o proibicionismo da maconha

A legislação brasileira sobre drogas tem sido marcada por ambiguidades que ampliam o poder discricionário de agentes públicos e geram insegurança jurídica para usuários e pequenos comerciantes. A Lei nº 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, é o principal marco regulatório da política atual. Apesar de ter descriminalizado o porte para consumo pessoal, a lei não estabelece critérios objetivos para diferenciar usuários de traficantes.
Na prática, isso significa que a quantidade de substância apreendida, a forma de armazenamento ou mesmo a cor da pele do suspeito podem influenciar na decisão de enquadramento como traficante — o que leva a uma seletividade penal alarmante. Pessoas negras, jovens e de baixa renda são as mais afetadas.
Esse quadro gera distorções sérias. Um adolescente com alguns gramas de maconha pode ser condenado como traficante e ter sua vida marcada pelo sistema penal, enquanto grandes organizações criminosas continuam atuando com relativa impunidade. Em vez de atingir o coração do tráfico, o proibicionismo tem penalizado os elos mais frágeis da cadeia.
A indefinição legal permite interpretações subjetivas, o que compromete o direito à defesa e aumenta os casos de injustiça. Além disso, o Brasil segue sem regulamentar o uso adulto da maconha, mesmo com:
- Propostas em tramitação no Congresso
- Discussões no STF sobre a descriminalização
- Modelos bem-sucedidos em países como Alemanha, Canadá e Uruguai
O que o Brasil perde ao proibir a maconha?
Enquanto países como Alemanha, Canadá, Uruguai e diversos estados norte-americanos avançam em políticas de regulação e colhem resultados positivos — com aumento da arrecadação, geração de empregos e redução de prisões por uso — o Brasil segue insistindo em uma estratégia que já demonstrou seus limites.
Além dos custos orçamentários diretos, o país deixa de arrecadar tributos que poderiam ser revertidos em saúde, educação e segurança. Também perde oportunidades de investir em pesquisa e desenvolvimento, numa planta com enorme potencial terapêutico, industrial e comercial.
A criminalização da maconha aprofunda desigualdades e amplia a violência. Impede o desenvolvimento de mercados promissores, encarcera desproporcionalmente populações vulneráveis e impede a formulação de políticas públicas baseadas em dados.
Diante desse cenário, é necessário refletir com seriedade: quanto custa continuar proibindo a maconha no Brasil? E mais importante: a quem realmente interessa essa guerra?
Quer entender melhor o tamanho desse mercado e os desafios enfrentados por quem atua nele? Baixe gratuitamente o Anuário de Growshops, Headshops e Marcas 2024 da Kaya Mind e tenha acesso a dados inéditos sobre pontos de venda, marcas, comportamento do consumidor e muito mais.


