O sistema endocanabinoide foi identificado pelo “pai da cannabis” e químico israelense, Raphael Mechoulam. Essa descoberta possibilitou o entendimento do potencial da cannabis e seus fitocanabinoides, o qual é muito explorado pela comunidade científica. Hoje, a cannabis tem seus efeitos terapêuticos relacionados ao tratamento de diversas condições médicas, algumas das quais serão abordadas na série de publicações criada pela Kaya Mind sobre o assunto. Neste texto, o foco será a relação entre a cannabis e a depressão.
Segundo a PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), a depressão atingiu 16,3 milhões de brasileiros em 2019, valor que cresceu devido à pandemia do novo coronavírus em 2020 e 2021. Essa condição médica não se resume a uma tristeza comum, como muitos julgam, mas, sim, a um conjunto de sintomas, como falta de interesse em atividades que antes davam prazer, irritabilidade, mudanças nos hábitos de sono etc., que levam a uma tristeza profunda e duradoura.
Como a cannabis pode tratar depressão?
Se não tratados ou quando mais graves, casos de depressão podem acarretar em suicídio. Por isso, é essencial que as pessoas, junto de seus médicos, busquem um tratamento adequado para essa condição médica. Ainda que os estudos a respeito do potencial medicinal da cannabis para tratar depressão sejam preliminares, pesquisadores encontraram evidências de que a planta pode restaurar o sistema endocanabinoide e, por consequência, ser capaz de modular o humor. Ainda, associaram sintomas da depressão com estresse crônico – resultados apontam que o estresse crônico pode diminuir a produção de endocanabinoides no cérebro, o que causa um comportamento depressivo.
Pelo fato dos princípios ativos da cannabis atuarem diretamente no sistema endocanabinoide como os próprios endocanabinoides produzidos no corpo humano, eles também são capazes de modular as funções do organismo a ponto de gerar equilíbrio interno (homeostase). O bom funcionamento do sistema endocanabinoide melhora o controle da serotonina e noradrenalina, aumenta a plasticidade celular no hipocampo e reduz a atividade estressante no eixo responsável pela integração dos sistemas nervoso e endócrino, o que faz com que tenha efeito antidepressivo e ansiolítico.
Efeitos de CBD e THC sobre a depressão

Muitos dos benefícios sobre o humor, por exemplo, são proporcionados pelo THC, um dos fitocanabinoides da cannabis, que ativa os receptores CB1, parte do sistema endocanabinoide, no sistema nervoso central, responsável por regular emoções e processos motivacionais dos indivíduos. Já o CBD, por meio da ativação indireta dos receptores CB1 e daquele que é específico da serotonina, o 5-HT, também induz efeitos antidepressivos, além de antipsicóticos e ansiolíticos.
Um estudo publicado na revista Frontiers in Psychiatry, apontou que usuários de cannabis e seus derivados tendem a apresentar sintomas menos graves de depressão do que os não-usuários. Ainda, também foram apresentados resultados em relação à uma redução na ansiedade, atenuação de dor e melhora no sono.
Ambos esses fitocanabinoides, assim como as outras propriedades da cannabis, não causam efeitos colaterais significativos, como ocorre com outros medicamentos tradicionalmente usados para tratar depressão. Esses dados, no entanto, não são, de forma alguma, motivos para abandonar o tratamento já recomendado por um profissional da saúde.
Pontos de atenção da cannabis e a depressão
Mesmo que as pesquisas científicas mostrem uma possível melhora dos sintomas depressivos com o uso medicinal da cannabis, a planta também pode, em alguns casos ou formas de uso, não fazer efeito ou até mesmo piorá-los. Por isso, é importante buscar ajuda e ter acompanhamento profissional para entender qual o tratamento mais adequado para cada pessoa e condição médica.
Cannabis e sintomas depressivos em adolescentes
Em uma pesquisa de 2002, realizada pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Duke, foi descoberta uma relação entre adolescentes que faziam uso contínuo da cannabis e transtornos depressivos. O estudo não vinculou o uso da cannabis aos sintomas da depressão e, por isso, em nova pesquisa realizada pela Recovery Research Institute, essa foi a resposta buscada.
Esta foi realizada usando a análise dos dados coletados pela Cannabis Youth Treatment (CYT), um ensaio clínico randomizado que comparou a eficácia de cinco tratamentos com o uso de cannabis baseados em evidências para adolescentes.
É importante observar que o estudo foi feito a partir de dados coletados de tratamentos voltados às condições causadas pelo uso de cannabis e não foram adaptados para abordar problemas de saúde mental concomitantes. Os tratamentos do estudo duraram até 15 semanas e os jovens foram acompanhados a cada 3 meses após o início do tratamento. A pesquisa encontrou uma série de pontos importantes a serem observados e que precisaram de novas pesquisas para serem confirmados, mas os principais insights foram:
- A maioria dos jovens relatou problemas de saúde mental comórbidos, isto é, dois ou mais problemas, antes de iniciar o tratamento com uso de cannabis;
- Os sintomas depressivos e a frequência do uso de cannabis diminuíram durante o estudo de 12 meses;
- Níveis mais graves de depressão estiveram associados a uma queda maior nos sintomas depressivos e na frequência de uso de cannabis;
- A redução do uso de cannabis foi significativamente associada a menores sintomas depressivos.
Nenhum desses insights foi conclusivo e nem deve ser usado como evidência científica, pois é apenas um estudo preliminar, mas aponta indícios de que existe uma forte relação entre o uso da cannabis e alguns sintomas da depressão, podendo a cannabis ser uma vantagem ou um fator prejudicial.