Você já se perguntou por que a maconha foi proibida no Brasil? Ou melhor: já parou para pensar em quem mais sofreu com essa proibição ao longo da história? A resposta é direta — e desconfortável: a guerra às drogas sempre teve alvo certo, e ele foi, sobretudo, a população negra, periférica e pobre. Por isso, o assunto reparação histórica é tão importante.
Por isso, quando falamos em avanços na legalização da cannabis, é impossível ignorar um ponto central: a importância da reparação histórica para a maconha. Mais do que liberar o uso ou organizar o mercado, é hora de reparar as injustiças que marcaram décadas de políticas proibicionistas no Brasil.
Neste artigo, vamos explicar o que é reparação histórica, por que ela é tão importante no contexto da cannabis e como alguns países estão lidando com essa pauta. Tudo de forma simples, baseada em dados e com exemplos reais.
O que é reparação histórica no contexto da maconha?
A reparação histórica é o reconhecimento formal e prático de que determinadas populações foram sistematicamente prejudicadas por políticas públicas, leis ou omissões do Estado. No caso da cannabis, isso se aplica diretamente à proibição da planta — que foi usada como ferramenta de controle social e repressão.
No Brasil, a criminalização da maconha começou ainda no século XIX, com o Código de Posturas Municipais do Rio de Janeiro, em 1830. Na época, o “pito do pango” — como era conhecido o uso da planta — foi proibido por estar associado à cultura de africanos escravizados. Desde então, o estigma e a perseguição se intensificaram, sem nunca ter base científica sólida, mas sempre reforçando desigualdades raciais e sociais.
Por que a reparação histórica para a maconha é necessária?

A legalização da cannabis, por si só, não resolve os danos causados pelo proibicionismo. Se queremos realmente transformar a relação da sociedade com essa planta, precisamos olhar para trás e corrigir distorções.
Segundo dados do Infopen e do IBGE, a maioria das pessoas presas no Brasil por crimes relacionados à maconha são negras, jovens e moradoras de periferias urbanas. E, enquanto milhares foram presos por portar pequenas quantidades da planta, o mercado da cannabis medicinal e industrial agora começa a gerar milhões de reais em faturamento — muitas vezes, sem incluir essas mesmas pessoas.
Você consegue perceber a contradição?
A reparação histórica busca justamente evitar que o novo mercado de cannabis reproduza a lógica de exclusão. É garantir que as comunidades mais afetadas pela criminalização também tenham a chance de se beneficiar da legalização — seja com acesso à saúde, educação, empregos ou empreendedorismo.
Como a reparação histórica pode ser aplicada no Brasil?
Você pode estar se perguntando: tá, mas como isso funcionaria na prática?
A reparação histórica da maconha não é um conceito abstrato. Ela pode ser implementada por meio de políticas públicas, regulamentações e programas sociais voltados especificamente para as populações impactadas pela guerra às drogas.
Veja alguns exemplos de medidas possíveis:
1. Anistia e revisão de condenações
- Liberação ou revisão de processos de pessoas presas por porte de pequenas quantidades de maconha.
- Elaboração de políticas de anistia, como já acontece com o STF julgando a descriminalização do porte para uso pessoal.
2. Inclusão econômica no mercado legal
- Criação de linhas de crédito, incentivos fiscais e editais exclusivos para empreendedores negros, periféricos ou egressos do sistema prisional.
- Programas de cotas para licenças de cultivo, distribuição ou venda em estados que vierem a regulamentar o uso.
3. Reinvestimento em comunidades impactadas
- Parte dos impostos arrecadados com a venda legal de cannabis poderia ser direcionada a projetos de saúde, cultura, educação e geração de renda nas periferias.
4. Formação e capacitação profissional
- Programas gratuitos ou subsidiados de formação técnica e científica para que jovens dessas regiões possam trabalhar em laboratórios, consultórios, lojas ou no agronegócio da cannabis.
Essas ações não são utópicas — elas já existem em outros países e podem ser adaptadas para a realidade brasileira.
Existem exemplos internacionais de reparação histórica da cannabis?
Sim, e cada vez mais.
Nos Estados Unidos, onde vários estados legalizaram a cannabis medicinal e recreativa, começaram a surgir políticas conhecidas como “social equity programs”, voltadas justamente para pessoas afetadas pelo proibicionismo.
Exemplos práticos:
- Illinois (EUA): o estado criou um fundo de US$ 30 milhões por ano para capacitação, empréstimos e apoio jurídico a empreendedores que moram em áreas com alto impacto da guerra às drogas.
- Nova York (EUA): as primeiras licenças de venda de cannabis recreativa foram concedidas para pessoas com histórico de condenação por porte de maconha — ou seus familiares diretos.
- Canadá: embora ainda sem um modelo federal de reparação robusto, várias províncias discutem a inclusão de comunidades indígenas e negras no mercado de cannabis legalizado.
Esses exemplos mostram que a legalização pode e deve ser uma ferramenta de justiça social, e não apenas um novo campo de negócios para grandes grupos. Diversos países têm mostrado que é possível construir mercados legais mais justos. Veja os impactos da legalização da cannabis em outros países.
E no Brasil, estamos fazendo algo?
O Brasil ainda está nos primeiros passos.

Em 2024, o Supremo Tribunal Federal descriminalizou o porte de até 40g de maconha para uso pessoal — o que já representa uma mudança relevante. Porém, ainda não há políticas públicas robustas que tratem de reparação histórica relacionada à cannabis. A descriminalização da cannabis não significa legalização completa — e esse detalhe é essencial na discussão sobre justiça e reparação. Saiba a diferença entre legalizar e descriminalizar.
Algumas associações civis e coletivos já vêm pressionando o poder público para discutir o tema, e movimentos como a Marcha da Maconha e entidades jurídicas ligadas à pauta racial já incluem a reparação em seus manifestos.
Mas é preciso mais. Mais vozes, mais pressão e mais propostas concretas para garantir que a legalização não se torne apenas uma mudança de mercado, mas também de mentalidade.
Como a sociedade pode contribuir?
Você não precisa ser um político ou um empresário para fazer parte dessa transformação.
Aqui vão algumas formas de contribuir com o avanço da reparação histórica para a maconha no Brasil:
- Apoie associações de pacientes e coletivos que atuam na linha de frente da luta por direitos;
- Vote em candidatos que defendam uma política de drogas mais justa e baseada em evidências;
- Consuma com consciência: busque marcas e iniciativas que valorizem a inclusão e o impacto social;
- Fale sobre o tema: compartilhe conhecimento, levante a pauta nas rodas de conversa e nas redes sociais.
Reparação histórica da maconha não basta legalizar
A palavra “legalização” tem ganhado força no debate público, mas ela precisa vir acompanhada de outras duas palavras: justiça e reparação.
Não dá para seguir em frente como se nada tivesse acontecido. Milhares de pessoas perderam a liberdade, a saúde, a renda e a dignidade por conta de políticas equivocadas e racistas. E agora, com a abertura de um mercado bilionário, é nosso dever garantir que essas mesmas pessoas tenham prioridade no acesso às oportunidades. Sem mudar a forma como lidamos com políticas de drogas, a reparação da maconha será incompleta. Entenda como essas políticas funcionam no Brasil.
A reparação histórica da maconha é, acima de tudo, um chamado à consciência coletiva.
E se você quer entender mais sobre o impacto econômico, social e cultural do mercado da cannabis no Brasil, acesse o nosso material mais completo: Baixe gratuitamente o Anuário de Growshops, Headshops e Marcas 2024 da Kaya Mind e veja como o setor está se organizando — e onde a reparação pode (e deve) acontecer.