O cânhamo, subespécie da Cannabis sativa L., tem sua estrutura formada por insumos que podem ser aproveitados industrialmente, sendo um deles a fibra. As fibras do cânhamo têm inúmeras utilidades, como a produção de tecidos, cordas, papel, materiais de construção e outros, o que pode afetar positivamente setores das mais diversas áreas.
As fibras de cânhamo são insumos utilizados pela humanidade há milênios. Há registros de seu uso que datam de, pelo menos, 9.000 a.C., e, desde então, se tornou um material presente em muitos momentos históricos – na chegada dos portugueses ao Brasil em 1500, por exemplo, a planta constituía as cordas e caravelas dos navios. Hoje, o cânhamo é menos explorado por conta do proibicionismo que envolve a Cannabis sativa L., mas esse estigma vem sendo dissolvido a partir de estudos científicos e novas regulamentações que reconhecem as vantagens de suas subespécies.
O que são as fibras de cânhamo?
As fibras de cânhamo são extraídas dos caules da planta, que tem uma estrutura rígida, alta e resistente. O caule é constituído por 15 a 20% de fibra, 40 a 45% de fibra interna limpa, 20 a 25% de fibra intermediária, e 15 a 20% da poeira e fibra fina. Cada um desses insumos tem uma finalidade específica e elas são separadas a partir de um processo que se chama decorticação, etapa do processo de beneficiamento.
Para extrair as fibras, o cânhamo pode ser cultivado em ambientes outdoor e deve alcançar uma altura de 3 a 5 metros. Ainda, deve ter um plantio denso para evitar a produção de ramos e flores, sendo este de, aproximadamente, 375 a 540 plantas por m². O ciclo de cultivo do cânhamo para a extração de fibras gira em torno de 70 a 120 dias e passa por um processo de beneficiamento específico após a colheita, que é feita por meio de um maquinário semelhante ao do feno.
Quais são as utilidades das fibras do cânhamo?
Como dito anteriormente, cada tipo de fibra extraída do caule tem uma funcionalidade. As fibras internas podem ser usadas para produzir painéis, adubo, argamassa, enchimento de papel, roupa de cama, absorvente, matérias-primas químicas (plásticos, tinta, selante); as fibras primárias podem gerar tecidos, materiais de isolamento, tapeçaria e painéis; as fibras intermediárias são usadas como base para cordas, polpas, aditivos de reciclagem; e as estopas para ensacamento de cordas e painéis.
Os tecidos, por exemplo, são os insumos mais conhecidos feitos a partir da fibra do cânhamo. Pelo fato do cultivo da planta ter menos impacto ambiental do que a de algodão, essa matéria-prima se torna mais sustentável e, além disso, também tem benefícios em relação à sua maciez, resistência e o fato de ser antialergênica. No Brasil, na época da Coroa Portuguesa, o cânhamo chegou a ser cultivado com o objetivo de desenvolver a indústria têxtil do país. Hoje, o plantio da planta é proibido, mas a importação de tecidos, apesar de estar em um limbo legislativo, é possível e já foi colocada em prática por diversas empresas de moda brasileiras.
Outra forma de uso das fibras de cânhamo é o hempcrete – em português, concreto de cânhamo –, que pode ser integrado a construções civis, mas não servir como um material estrutural. O hempcrete é sustentável, fácil de fabricar, econômico, resistente a fungos e pragas, impermeável, à prova de fogo, seguro em caso de terremotos, com regulamentação térmica e controle de umidade.
Esses usos vêm se popularizando cada vez mais devido às novas regulamentações em países que já investem no mercado do cânhamo, como Estados Unidos, Paraguai, Canadá, França, Letônia, Alemanha e mais. Entre os benefícios ambientais, o cânhamo pode ser utilizado por uma variedade de indústrias – só a fibra do cânhamo pode movimentar por volta de 7 setores –, o que gera um ganho econômico importante e uma mudança agrícola necessária.
As fibras de cânhamo na indústria da moda
A indústria da moda é uma das principais causadoras dos impactos ambientais testemunhados hoje. Ela é responsável por 8% da emissão do gás carbônico na atmosfera, sendo que a produção do poliéster, um dos materiais mais usados nesse setor, emite, anualmente, 32 das 57 milhões de toneladas globais. Além disso, essa fibra também leva 200 anos para se decompor, já que é feita à base de plástico, um dos principais poluidores dos oceanos – todo ano, 8 milhões de toneladas do material são depositados nesse ecossistema. Já a viscose, outra matéria-prima famosa por compor blusas e vestidos, é produzida a partir da extração da celulose encontrada em árvores de florestas nativas e ameaçadas de extinção, além de seu processo de fabricação implicar o uso de produtos químicos.
Além dos impactos ao meio ambiente, os tecidos usados na indústria da moda, por serem de maioria sintética, também causam problemas para a pele. O cânhamo, no entanto, tem potencial de transformar todo esse cenário, diminuindo as consequências ambientais e para a saúde.
Diferentemente das outras matérias-primas usadas no setor da moda, o cânhamo tem uma produção carbono negativa, ou seja, absorve mais carbono da atmosfera do que a emissão causada durante a colheita, processamento e transporte. Sua produção também usa menos água do que o algodão. Ainda, seu cultivo pode ser feito com menos ou nenhum uso de herbicidas, pesticidas e fungicidas, já que é uma planta resistente a muitos climas e solos, e, por isso, não oferece nenhum tipo de risco à pele e à saúde em geral.
As qualidades da fibra de cânhamo não se resumem apenas a esses fatores. Ela gera um tecido bonito, brilhante, versátil, resistente, termodinâmico, macio e que protege contra raios ultravioleta. Semelhante ao linho e substituto do couro, pode ser usado para fazer calça jeans, camisetas, calçados, relógios e muitos outros itens.
Gravamos uma entrevista especial com a Poli Rodrigues, fundadora de CEO da FloYou, a primeira marca de calcinhas absorventes com tecido à base de cânhamo do Brasil. Para quem tiver tiver curiosidade sobre o assunto, é só clicar abaixo!
O uso do cânhamo na indústria da moda já está em alta nos países onde seu cultivo é legalizado – grandes marcas como Adidas e Levi’s já apostaram nessa tendência. Mas, mesmo no Brasil, onde não há regulamentação que o inclua, lojas passaram a fazer peças de roupa a partir de sua fibra. Elas podem fazê-lo a partir da importação do tecido derivado de cânhamo já pronto, podendo ser moldado à vestimenta desejada no país. A atriz Marina Ruy Barbosa, por exemplo, deu um passo em direção à sustentabilidade e incluiu 24 peças feitas de cânhamo, como as calças jeans, em uma coleção de sua marca Ginger, lançada em 2020. A Reserva e a Osklen também são outras duas lojas brasileiras que colocaram roupas com esse tecido no catálogo. Se outras empresas da indústria seguirem esses exemplos, o saldo tem tudo para ser positivo.
As fibras de cânhamo nas velas para embarcações
Que o uso do cânhamo é milenar, já se sabe – esse texto fala detalhadamente sobre esse assunto. Mas, a respeito da relação desse material com a humanidade, é importante entender a sua produção destinada à confecção de velas para as embarcações.
A fibra de cânhamo não é só utilizada para objetos e funcionalidades da modernidade, como aqueles citados anteriormente. Na verdade, um de seus primeiros usos foi na antiguidade, entre gregos e romanos, que usavam velas e cordas provenientes da planta em seus navios. Já a partir do século XV, essa técnica também foi incorporada em regiões da França, em Portugal e no continente africano – essas populações cultivavam o cânhamo para fabricar cordas, cabos, velas e materiais de vedação dos barcos. A fibra da planta, como matéria-prima, proporcionava rigidez, elasticidade e uma maior velocidade às caravelas.
O plantio de cânhamo no território português foi extenso, recebendo, inclusive, um decreto de D. João V incentivando a sua produção. Assim, Cristóvão Colombo navegou pelos mares e fez parte das Grandes Navegações portuguesas – expedições marítimas que visavam explorar o Oceano Atlântico. De acordo com o autor e ativista de cânhamo, Rowan Robinson, havia 80 toneladas de cânhamo, em forma de vários materiais, nos barcos do descobridor da América. Ainda durante a expansão marítima, as velas feitas à base de cânhamo também estiveram nos navios de Pedro Álvares Cabral e o auxiliaram a desembarcar no Brasil.
Pode-se dizer, portanto, que a Cannabis Sativa L. chegou ao país junto com seu descobrimento, e, mesmo depois de quando se iniciaram os anos de proibicionismo, permaneceu.
Entenda mais sobre as vantagens do cânhamo e como esse cultivo poderia impactar o Brasil e suas indústrias no relatório gratuito, “Cânhamo no Brasil”. Acesse aqui.