Em 2019, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) apresentou uma proposta que tentava liberar o cultivo da cannabis no Brasil para pesquisas científicas e produção de medicamentos. Esse debate, no entanto, gerou uma reação negativa por parte de alguns políticos e até do próprio governo Bolsonaro, que tomou posse no mesmo ano em janeiro. Mas afinal, a Anvisa liberou o plantio de cannabis medicinal no Brasil?
Regulamentação da cannabis para fins medicinais no Brasil
Ainda que a Lei de Drogas de 2006 especifique que a União pode autorizar o plantio e colheita da cannabis para fins medicinais ou científicos, mediante fiscalização e em local e prazo predeterminados, esse é um cenário muito difícil de se concretizar no Brasil até hoje.
O país só tomou o primeiro passo em relação à regulamentação do uso medicinal da cannabis em 2015 após pessoas se manifestarem a favor do tratamento à base da planta, em especial mães de pacientes que poderiam ter suas condições médicas atenuadas por essa terapia. Assim, a agência reguladora, por meio da RDC 17/2015, permitiu a importação de produtos à base de canabidiol para pessoas físicas com prescrição médica.
Até hoje, mesmo depois da publicação de RDCs que tenham facilitado o acesso à cannabis medicinal no país, uma das únicas formas de obter os medicamentos é por meio de solicitações de importações mediante receita médica. Existem também produtos à venda nas farmácias brasileiras, os quais são autorizados de pouco em pouco, mas ainda há apenas 18 itens. Outras formas de acesso são possíveis, mas são mais limitadas ou burocráticas.
Assim, pode-se dizer que a regulamentação do uso medicinal da cannabis ainda não abrange as necessidades da população, já que os produtos importados têm alto custo. É por esse motivo que a autorização do cultivo da planta no país é importante; não só os pacientes medicinais terão direito ao tratamento com derivados de maconha, como o próprio Brasil poderia se beneficiar da produção nacional a partir da movimentação de mercado de R$ 9,5 bilhões em até quatro anos de regulamentação e arrecadação de impostos que geraria.
Proposta da Anvisa para cultivo da cannabis
Em junho de 2019, a Anvisa iniciou um debate em torno da proposta de dar aval para o cultivo de cannabis no Brasil com fins de pesquisa e produção de medicamentos. Além desse projeto, os membros da agência reguladora visavam discutir as regras para registro e monitoramento desses produtos.
O ex-diretor presidente da Anvisa, William Dib, foi um grande envolvido nessa discussão. Ele defendia a aprovação dessa proposta sob argumentos de que seria uma forma de facilitar o acesso para pacientes que hoje tinham que solicitar autorização para a agência reguladora para importar os medicamentos, tornando o processo mais seguro, de melhor qualidade e preço menor.
Com essa proposta, os medicamentos produzidos no Brasil seriam compostos majoritariamente por CBD, uma das propriedades não-psicotrópica da cannabis, apesar de haver uma concentração baixa de THC. Além disso, a ideia era que o plantio e a produção fossem restritos a empresas que obtivessem um tipo de licença especial e controlados em locais fechados por portas de segurança e com uso de biometria.
Desdobramentos do debate na Anvisa
O debate da proposta, no entanto, não teve boa repercussão dentro ou fora da Anvisa. Políticos e membros da agência questionaram esse projeto, pois acreditavam que essa seria uma medida para a liberação do uso recreativo da cannabis no Brasil, algo que não estava em pauta.
A proposta foi tão incomoda que, em agosto, dois meses após o início da discussão, o presidente Jair Bolsonaro substituiu o ex-diretor presidente, William Dib, que era favorável à pauta, pelo ex-militar e médico Antônio Barra Torres, mais alinhado aos seus interesses em relação a esse tema.
No momento da votação do projeto, em outubro, Torres e outro diretor pediram vista da medida. Assim, foi adiada para dezembro, quando foi rejeitada e arquivada pela Anvisa por 3 votos contra 1.
Vale relembrar que, além das movimentações políticas contrárias à proposta, muitos pacientes também se mobilizaram em discordância, pois a medida apenas permitiria o cultivo por parte de empresas, sendo que a autorização do auto cultivo ainda é uma necessidade importante para ser considerada, já que permite com que pessoas com menor poder aquisitivo tenham a oportunidade de realizar uma terapia à base da planta.
Com a rejeição da proposta, portanto, a falta de acessibilidade dos produtos à base de cannabis para fins medicinais continua e muitos pacientes são até hoje negados a oportunidade de tratamento para suas condições médicas.