A maconha com potencial analgésico vem sendo estudada há anos. A maioria dos trabalhos olha para canabinoides como THC e CBD. Mas um estudo recente jogou luz sobre outro grupo importante: os terpenos da cannabis. A pesquisa avaliou cinco terpenos e encontrou um resultado surpreendente: eles foram tão eficazes quanto a morfina para aliviar dor neuropática em modelo animal. E mais: a combinação terpeno + morfina aumentou o alívio da dor sem ampliar efeitos colaterais.
Neste guia didático, você vai entender o que esse estudo mostrou, como os terpenos funcionam, quais são as limitações, e o que médicos, pacientes e empresas podem fazer com essas informações hoje, sem prometer milagres. Conteúdo direto, em linguagem simples, com passos práticos.

O que o estudo mostrou (terpenos e morfina) — potencial analgésico
Resumo dos achados principais:
- Cinco terpenos de Cannabis sativa foram testados: alfa-humuleno, beta-cariofileno, beta-pineno, geraniol e linalol.
- Em modelo de dor neuropática induzida por quimioterapia (camundongos), cada terpeno reduziu a dor em níveis próximos ou superiores ao pico de efeito da morfina.
- Combinar terpeno + morfina ampliou o efeito analgésico em todas as combinações, sem piorar o perfil de efeitos adversos observado.
- Mecanismo proposto: ativação de receptores de adenosina A2A, que participam da modulação da dor, da inflamação e da proteção neuronal.
- Rotas de administração: via injetável funcionou; oral e inalada (terpeno puro vaporizado) reduziram ou aboliram o efeito no modelo testado.
Tradução prática: os terpenos da maconha podem ter potencial como analgésicos, e não só como “coadjuvantes de aroma”. E junto com opioide, podem permitir menor dose de morfina com alívio igual ou maior.
O que são terpenos (aroma, sabor e ação) — efeito comitiva
Terpenos são compostos naturais responsáveis pelos aromas e sabores das plantas (laranja, pinho, lavanda, lúpulo…). Na cannabis, há dezenas deles. Há anos se fala no “efeito comitiva” (ou entourage): a ideia de que terpenos + canabinoides podem atuar em sinergia, modulando efeitos como analgesia, ansiedade e inflamação.
No estudo, os cinco protagonistas foram:
- Alfa-humuleno (amargo/terroso; também está no lúpulo)
- Beta-cariofileno (picante; também em pimenta-preta) — interage com receptor CB2 em outros trabalhos
- Beta-pineno (cheiro de pinho/floresta)
- Geraniol (floral, doce)
- Linalol (lavanda, relaxante)
Dica para leitura complementar: vale revisar conteúdos sobre perfil de terpenos nas strains e como isso muda a experiência do paciente (aroma ≠ placebo; aqui estamos falando de alvo farmacológico). Conheça nossa base de strains!
Dor neuropática: por que é tão difícil de tratar
A dor neuropática surge quando nervos são lesionados (diabetes, herpes zóster, trauma) ou danificados por quimioterapia. Ela costuma ser persistente, queima, formiga e não responde bem aos analgésicos comuns. Por isso se utilizam:
- Antidepressivos e anticonvulsivantes (modulam sinal elétrico do nervo)
- Opioides, em casos refratários (com risco de dependência, tolerância e depressão respiratória)
- Canabinoides (efeito moderado e com possíveis efeitos psicoativos)
Nesse cenário, terpenos com ação própria e boa tolerabilidade chamam atenção. Se funcionarem em humanos como no modelo animal, poderemos repensar doses e combinações. Nesse guia completo você pode ver como a cannabis atua diretamente na dor neuropática.
Como os terpenos funcionam (A2A) — explicação simples
A adenosina é uma molécula do corpo que “pede calma” para o sistema nervoso. Os receptores A2A agem como “botão de moderação” da dor e da inflamação. Inclusive, além da cannabis e dos terpenos, a alimentação é um importante fator anti-inflamatório, saiba como ter uma dieta que te ajude.
O estudo indica que terpenos ativam A2A, ajudando a baixar o volume do sinal de dor. É outra via, diferente de opioides (receptores μ) e diferente do THC/CBD (sistema endocanabinoide/CB1-CB2, além de outros alvos). Por isso, a combinação tem lógica: vias somadas podem aumentar efeito com menos dose de cada componente.
Terpenos x canabinoides (THC/CBD): o que muda
- THC: pode ajudar na dor, mas é psicotrópico (alteração de percepção).
- CBD: perfil ansiolítico/anti-inflamatório; analgesia moderada em média.
- Terpenos: não são canabinoides, mas podem ter analgesia própria e modular efeitos dos canabinoides (efeito comitiva).
No estudo, terpenos foram comparáveis à morfina (modelo animal) sem efeitos colaterais relevantes vistos com opioides. Isso não significa que substituem opioides em humanos. Significa que valem a pena ensaios clínicos para avaliar dose, formulação e segurança.
Vias de uso: por que a injeção funcionou e a inalação não (no modelo)
O estudo testou três rotas: injetável, oral e inalada (terpeno puro vaporizado). Resultado:
- Injetável: funcionou muito bem (alta disponibilidade no sangue).
- Oral/inalada: efeito reduzido/ausente no modelo testado.
Motivos possíveis:
- Biodisponibilidade oral baixa (metabolismo de primeira passagem).
- Inalação de terpeno isolado não replica a matriz química da flor/óleo (onde terpenos e canabinoides viajam juntos).
- Diferenças entre camundongo e humano (pulmão, dose, tempo de exposição, mistura com canabinoides).
Tradução prática: não dá para extrapolar que “cheirar linalol” ou “pingar geraniol” vai aliviar dor crônica. Formas farmacêuticas e ensaios clínicos serão decisivos e, se você ainda não entendeu quais são as diferentes formas de consumo da cannabis, nesse guia você pode entender melhor todas as maneiras de consumo da maconha.
Limitações importantes (não pule esta parte!)
- Modelo animal (camundongos) ≠ resultado garantido em humanos.
- Dor induzida por quimioterapia: outros tipos de dor (lombalgia, artrite, fibromialgia) podem responder diferente.
- Rota injetável: precisamos de formulações viáveis para humanos (oral/transdérmica/inalada com comprovação).
- Dose e tempo: falta definir quanto, quando e com o quê combinar.
Ou seja: é promissor o potencial analgésico da maconha, mas ainda não é protocolo clínico.
O que isso pode significar para pacientes (hoje)
- Se você é paciente com dor neuropática (por quimio ou outra causa), leve esse tema ao médico.
- Peça para avaliar produtos com perfil de terpenos (rótulos de qualidade especificam principais terpenos e concentrações).
- Não espere milagres: ajuste de dose é gradual; o objetivo é melhorar o controle da dor com menos efeitos.
- Não substitua medicação por conta própria. Combinação costuma ser caminho mais seguro.
- Vias legais no Brasil: acesso por RDC 327 (farmácia), RDC 660 (importação) ou associações — sempre com prescrição.
👉 Complemento recomendado: veja nosso conteúdo sobre “Cannabis para dor crônica: o que dizem os estudos”
O que isso pode significar para prescritores (médicos e dentistas)
Boas práticas:
- Estratificar dor (tipo neuropática? intensidade? impacto funcional).
- Definir objetivos mensuráveis (ex.: redução de 30% no NPS; melhora do sono; menos resgate).
- Escolher formulação considerando canabinoides e, quando possível, perfil de terpenos (busque rótulos com beta-cariofileno, linalol, humuleno, pineno, geraniol quando houver).
- Titulagem lenta (comece baixo, vá devagar), registrando dose-resposta e efeitos adversos.
- Em pacientes em opioides, discuta estratégias de redução gradual se o controle da dor melhorar.
- Acompanhar com escalas (NPS, BPI, DN4), sono, humor e uso de resgate.
- Educação do paciente: alinhar expectativas; reforçar adesão e segurança.
Observação: produtos isolados de terpenos com indicação analgésica ainda carecem de ensaios clínicos robustos. Foque em qualidade, rastreabilidade e documentação.
FAQ — perguntas comuns sobre terpenos e dor
Terpenos “curam” dor neuropática?
Não. O estudo mostra analgesia relevante em modelo animal. Em humanos, precisamos de mais evidência clínica.
Vale comprar “terpeno puro” e pingar no vaporizador?
Não recomendado. Segurança, dose e eficácia assim não estão comprovadas. O próprio estudo achou pouco efeito por inalação no modelo testado.
Qual terpeno é “o melhor” para dor?
No estudo, todos os cinco analisados funcionaram. Na prática clínica, perfil combinado e qualidade do produto pesam mais do que “o terpene campeão”.
Isso substitui opioide?
Não neste momento. A mensagem é otimismo cauteloso: a maconha tem potencial analgésico e pode ajudar a reduzir dose de opioides.
Existe risco de dependência com terpenos?
No modelo, não houve sinal de recompensa/adição. Em humanos, precisamos de dados clínicos.
Roteiro rápido para escolha de produto (quando houver opção)
- Rótulo/COA (laudo) que informe canabinoides e terpenos (idealmente com beta-cariofileno, linalol, humuleno, pineno, geraniol quando disponíveis).
- Via de uso compatível com o seu caso (óleo sublingual é o mais comum no Brasil).
- Comece baixo e ajuste com supervisão.
- Prefira marcas com transparência, lotes rastreáveis e suporte técnico.
Para prescritores, o Kaya Doc é uma ferramenta gratuita que pode ajuda-los da escolha do produto à prescrição final. Cadastre-se agora!
Potencial analgésico da maconha com “pé no chão”
A mensagem central é de esperança com responsabilidade. O potencial analgésico da maconha não mora só nos canabinoides: os terpenos mostram serviço e podem somar. Para o paciente, isso pode virar mais opções de manejo da dor. Para o médico, mais combinatória terapêutica. Para as marcas, P&D sério em perfil de terpenos, estabilidade e ensaios clínicos.
Até lá, o melhor caminho é cuidado, evidência e acompanhamento. Boa ciência melhora vidas — sem atalhos.


