Cogumelos mágicos podem ajudar no tratamento de traumas?

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Os fungos repletos de psilocibina têm se tornado alvo de estudos científicos que visam confirmar sua eficácia no tratamento de traumas psicológicos

Pertencentes ao reino dos fungos, os cogumelos mágicos, organismos que possuem psilocibina em sua composição, despertaram o interesse da comunidade científica, que nos últimos anos, investiga o potencial terapêutico desses organismos, sobretudo em relação ao cuidado com traumas psicológicos.

Contexto histórico do uso de cogumelos mágicos

cogumelos psilicibina no tratamento para traumas

Os registros do consumo de cogumelos mágicos são tão antigos que retomam a idade da pedra (mais de 7 mil anos atrás.) Nossos ancestrais faziam o uso ritualístico desses cogumelos em cerimônias religiosas, que eram uma parte fundamental de suas práticas espirituais e culturais. Eles consumiam os organismos com a finalidade de abrir portais para outros reinos espirituais e proporcionar visões profundas que podiam orientar suas tribos e comunidades.

As espécies de cogumelos considerados sagrados são pertencentes ao gênero Psilocybe, que apresentam como princípio ativo o alcaloide triptamínico psilocibina, e seu proeminente metabólito ativo, a psilocina.  A psilocibina é uma substância psicoativa encontrada em mais de cem espécies de cogumelos. Seus efeitos compreendem experiências alucinógenas que envolvem alterações nos sentidos, na consciência, no pensamento, no humor e na percepção. Nos últimos anos, os cogumelos que possuem psilocibina em sua composição, têm recebido atenção crescente como uma possível ferramenta no tratamento de traumas psicológicos.

O que são os traumas psicológicos e o Transtorno do Estresse Pós-traumático?

Os traumas são uma condição decorrente de uma experiência ameaçadora e dolorosa. Essas experiências geralmente são caracterizadas por eventos tão avassaladores, que a pessoa tem dificuldade em lidar ou processar adequadamente.  Em função disso, os traumas podem acarretar danos significativos à saúde mental.

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), é uma condição psiquiátrica que pode ser desencadeada em indivíduos que foram expostos a eventos ou situações altamente traumáticas e estressantes. Esses eventos traumáticos podem abranger uma alta gama de experiências como por exemplo, situações de abuso físico ou sexual, ocorrência de desastres naturais, envolvimento em acidentes graves, sequestros, entre outros.

Dentre os principais sintomas que caracterizam o TEPT, incluem-se memórias perturbadoras e recorrentes, pesadelos, ansiedade e estado emocional negativo.

O tratamento do TEPT envolve psicoterapia e terapia medicamentosa. No entanto, com o objetivo de alcançar uma eficácia ainda maior, a comunidade científica tem procurado por outras alternativas.

Como os cogumelos mágicos podem ajudar no combate a essas experiências traumáticas?

Devido a crescente necessidade de desenvolvimento de medicamentos para transtornos mentais e psiquiátricos, os cientistas têm investido no estudo de substâncias alucinógenas, como os cogumelos mágicos e a psicilocibina.

Há evidências preliminares sugerindo que a psilocibina pode ter efeitos terapêuticos benéficos, especialmente quando utilizada em combinação com psicoterapia.

Os estudos iniciais mostraram que a substância, quando administrada em um ambiente controlado e com o suporte de terapeutas treinados, pode facilitar experiências psicodélicas profundas que têm o potencial de ajudar os indivíduos a enfrentarem e processar traumas passados. Essas experiências podem permitir que as pessoas revisitem memórias traumáticas de uma maneira mais segura e menos ameaçadora, muitas vezes levando a uma redução significativa dos sintomas de TEPT e outros distúrbios relacionados ao trauma.

O mecanismo de ação dos psicodélicos

A pesquisa científica tem avançado na compreensão dos principais efeitos dos psicodélicos no funcionamento cerebral. Essas substâncias têm a capacidade de aumentar a quantidade de determinados neurotransmissores, reduzir a atividade em algumas áreas cerebrais e intensificar em outras. Os psicodélicos, que compartilham semelhanças com a serotonina, promovem um aumento dessa substância neurotransmissora, amplificando assim o desempenho do sistema serotoninérgico. Esse sistema está intrinsecamente ligado à regulação de sensações, emoções, humor, funções cognitivas e habilidades motoras.

Além disso, os psicodélicos têm o efeito de intensificar a atividade do córtex pré-frontal, uma região cerebral responsável por processos complexos relacionados a percepções sensoriais, pensamentos, sentimentos, atenção, tomada de decisões e comportamento. Ao mesmo tempo, a atividade da amígdala, uma área mais primitiva do cérebro em termos de evolução, que desempenha um papel central em emoções e respostas instintivas de luta pela sobrevivência, como medo e agressividade, é reduzida.

cogumelos magicos e traumas psicologicos

Em termos gerais e simplificados, podemos afirmar que o potencial terapêutico dos psicodélicos deriva de sua capacidade de induzir estados e processos neurais, emocionais e cognitivos que possibilita ao paciente modificar padrões de pensamento enrijecidos, memórias, percepções, crenças e narrativas que podem ser limitantes e angustiantes. Quando bem-sucedido, esse renascimento mental e emocional está ligado à flexibilidade na adoção de comportamentos previamente inflexíveis, permitindo mudanças profundas e duradouras.

Em resumo, os efeitos desencadeados pela psilocibina abrem novas vias de interação entre as células e promovem respostas que contribuem para a restauração de um funcionamento neurológico saudável. O estado induzido pela substância propicia a dissolução de barreiras emocionais e do mecanismo psicológico subjacente à depressão. O contexto psicoterapêutico fornece um ambiente seguro para a exploração de experiências sem receios, com o apoio necessário. A experiência psicodélica permite uma profunda imersão, enquanto a integração facilita a consolidação desse processo de aprendizado. Em última análise, a psilocibina age como um catalisador para estados de consciência não convencionais que, quando utilizados com cautela, podem possibilitar transformações profundas.

Além de potencializar a conectividade cerebral, os psicodélicos também têm o potencial de estimular a neuroplasticidade, que é a capacidade do cérebro de se adaptar e modificar de acordo com necessidades específicas, bem como de favorecer a criação de novos neurônios e sinapses.

Diante disso, o potencial dos cogumelos mágicos têm se tornado um dos psicodélicos mais estudados pela comunidade cientifica devido ao seu baixo potencial para o abuso e ao seu perfil de segurança favorável. Em indivíduos saudáveis, a psilocibina é capaz de induzir uma sensação de bem-estar e de satisfação global com a vida.

No entanto, é importante enfatizar que os estudos sobre o uso da psilocibina no tratamento de traumas ainda está em estágios iniciais, e mais experimentos são necessários para entender completamente seus benefícios, riscos e eficácia. Além disso, a administração da psilocibina deve ser realizada com acompanhamento psiquiátrico, a fim de evitar qualquer experiência arriscada ou potencialmente prejudicial.

O estudo da psilocibina é uma área de pesquisa promissora no tratamento de traumas psicológicos, mas é importante que seja explorada com cautela e rigor científico para determinar sua eficácia e segurança a longo prazo.

Como o preconceito interfere no avanço da ciência

Inovações no campo da saúde mental sofrem determinadas resistências e refletem em obstáculos profundos na condução de pesquisas científicas. Esses estigmas sociais, principalmente no que se refere ao uso de psicodélicos e enteógenos, interfere nos benefícios que pacientes acometidos por diversas condições médicas poderiam obter com o uso seguro dessas substâncias. Essa esteriotipização impacta o desenvolvimento e o acesso aos fármacos derivados de compostos da cannabis, ayahuasca e cogumelos mágicos.

No entanto, o uso de psicodélicos no tratamento de traumas já é permitido em alguns países, mas ainda enfrenta uma extensa jornada até a sua incorporação ao cotidiano dos profissionais da saúde, sobretudo em função do contexto ético – devido ao fato dessas substâncias ainda serem proibidas e o seu consumo um tabu.

A dificuldade dos cientistas de conduzir estudos com esse tipo de substância resulta em limitações significativas e na carência de informações padronizadas, o que dificulta a definição de protocolos para os transtornos psiquiátricos.

Cuidados e eventos adversos no uso da psilocibina

O uso da substância para o tratamento de trauma ou qualquer outro tipo de problema emocional sem acompanhamento profissional, não é indicado. Embora a psilocibina tenha um perfil de segurança toxicológica, no contexto de saúde mental, ela pode desencadear processos que resultam em experiências difíceis, como o ressurgimento de memórias vívidas de traumas e lembranças dolorosas. Por esse motivo, a terapia com psilocibina não se limita à simples administração da substância, mas depende fundamentalmente da presença de acompanhamento profissional durante as sessões e de um ambiente controlado e seguro.

Além disso, a psilocibina aumenta moderadamente a pressão arterial, de modo que indivíduos com problemas cardiovasculares, gestantes ou pacientes com algum diagnóstico psiquiátrico possam correr riscos de saúde ao autoadministrar a substância.

É importante destacar também que cada organismo é único e pode reagir de forma singular, e o uso de cogumelos mágicos sem a devida atenção, pode resultar nas chamadas “bad trips”.

Caso você enfrente desafios emocionais, procure um profissional da saúde que possa auxiliar no seu caso.

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