Levando em consideração a maturidade de processos do sistema tributário com relação à cannabis, poucas nações no mundo têm um modelo que tenha sido implementado e que já esteja mostrando resultados passíveis de serem observados e analisados. Aqueles que o têm, como os Estados Unidos e o Canadá, apresentam diferenças internas significativas de acordo com o estado ou província. A complexidade da discussão é gerada por um mercado bilionário que emerge da ilegalidade em diferentes ritmos ao redor do planeta e é adaptada de acordo com as nuances legais, econômicas, sociais e culturais de cada país.
Apesar disso, é possível notar que os padrões de abordagem nas legislações ao redor do mundo diferem e a lógica de cobrança de impostos é aplicada dentro do escopo de cada um deles. Se quiser conhecer o status atual da regulamentação cannabis nos principais países da América Latina, acesse o nosso e-book.
Arrecadação de impostos da cannabis para uso medicinal
Geralmente, cobra-se uma taxa anual sobre as licenças concedidas a diversos agentes da cadeia produtiva para manejar ou trabalhar com o setor. Essas licenças são cobradas separadamente de acordo com o papel da empresa, podendo ser, entre outros:
- Auditoria;
- Venda;
- Distribuição;
- Cultivo;
- produção de medicamentos.
Além das licenças, que são permissões para operar, os produtos podem receber impostos federais, estaduais e municipais, que vão desde uma parte do preço final de consumo do produto, impostos obrigatórios sobre determinada classe de remédios, taxas específicas para cannabis e isenções concedidas localmente. O imposto final será uma combinação de alguns desses fatores, individual para cada país/estado.
Na Europa, diversos países debatem sobre a melhor maneira de fazer a transição do assunto, sob ponto de vista fiscal, do mercado ilegal para o regulado. Para o Brasil, os impostos incididos sobre medicamentos são alguns dos mais altos do mundo, sendo 30% para remédios nacionais e 33% para remédios importados, enquanto alguns estados norte-americanos zeraram essas taxas para o uso medicinal.
Segundo dados coletados no Anuário da Cannabis Medicinal de 2024, produzido pela Kaya, mais de 9 bilhões foi o potencial tamanho de mercado estipulado, sem considerar as condições transversais como dor, estresse e problemas do sono. Além disso, O crescimento total do mercado medicinal entre 2023 e final de 2024 foi de R$ 852 milhões. Essas estimativas só mostram o potencial que a cannabis oferece para o mercado brasileiro.
Cânhamo em larga escala
Apesar de o cânhamo ser uma variação da espécie principal, os impostos sobre esse tipo de cultura são significativamente diferentes dos impostos sobre a cannabis. O cultivo de cânhamo ao redor do mundo vem, aos poucos, ganhando espaço por ser diverso em sua finalidade de plantio, podendo ser voltado à produção de óleo de CBD, fibras, sementes ou grãos, cada um deles com indústrias, público-alvo e rendimentos diferentes por hectare.
A tratativa que se observa internacionalmente é a de colocar o cânhamo na categoria de matéria prima, não importando a finalidade para qual foi cultivado, pois o processo de crescimento e manejo da matéria prima é igual do ponto de vista legal, pois não pode exceder 0,3% de THC independente da finalidade.
Com a Farm Bill de 2018, nos Estados Unidos, por exemplo, o cânhamo foi retirado da lista de substâncias controladas e passou a ser administrado pelo FDA (Food and Drug Administration), órgão regulador americano, como qualquer outro setor abaixo do escopo da agência. A produção é submetida a auditorias, testes, inspeções e normas que permitem o controle qualificado de qualquer cultura ou substância.
Além disso, com a lei, o cânhamo foi isento de taxas federais e estaduais relacionadas à cannabis, o que barateou o processo e atraiu milhares de produtores para o plantio. Segundo a VoteHemp, organização sem fins lucrativos que acompanham a produção anual de cânhamo estadunidense, a emissão de licenças saltou de 3.546 em 2018 (ano da lei) para 17.724 em 2019, recuando para 13.475 em 2020, ano da pandemia do novo coronavírus.
O salto nas licenças indica como o cânhamo pode ser facilmente introduzido na força do agronegócio de forma a diversificar o plantio e trazer benefícios mercadológicos e fiscais.
Uso recreativo arrecadação de impostos da cannabis no mundo
O mercado global da maconha legalizada deve atingir cerca de US$ 55,3 bilhões em 2024. Embora a maior parte seja destinada ao uso recreativo adulto, o medicinal é considerado um dos principais meios para a legalização, sendo que 49 países ao redor do mundo fazem uso medicinal da cannabis.
Conforme o Anário de Growshops, Headshops e Marcas da Kaya, o mercado da maconha pode movimentar anualmente, entre R$ 4 bilhões e R$ 11 bilhões. Para se ter uma ideia de como o mercado brasleiro funciona:
- O tamanho potencial do mercado de tabaco de enrolar em 2023 foi de +567 mil;
- R$ 178,4 milhões foi o tamanho potencial anual do mercado de sedas para tabaco de enrolar;
- O tamanho potencial anual do mercado de sedas para maconha foi estipulado em R$ 123,4 milhões.
Pode-se observar que o consumo nunca deixou de acontecer, independente da proibição. O que ocorre, na prática, é que a marginalização do fornecimento, produção e dinheiro gerados por esse consumo acaba direcionando o fluxo econômico para as mãos de grupos criminosos que não estão interessados em aplicar políticas de redução de danos para a sociedade.
Existem alguns programas de reparação histórica e direcionamento dos impostos arrecadados para políticas públicas que visam mitigar o dano do uso a nível pessoal e de saúde, além de focar nas comunidades mais afetadas pela proibição, como é o caso dos estados de Illinois e Nova York (ainda em proposta), nos EUA, que retornam parte dos impostos arrecadados para comunidades atingidas pela guerra às drogas.
Os EUA representam cerca de 85% do mercado global da cannabis, no qual as vendas legais podem chegar a US$ 4 bilhões em 2024, gerando um impacto econômico de US$ 112,4 bilhões.
Estados Unidos têm, resumidamente, três abordagens distintas na taxação dos impostos sobre a cannabis:
- A primeira é uma taxa em cima do preço final pago pelo consumidor, com um teto máximo a ser pago.
- O segundo é baseado no peso dos produtos, havendo uma diferenciação entre os tipos apresentados (frutos, folhas, material fresco e comestíveis, por exemplo).
- O terceiro tipo é uma taxa baseada na potência dos produtos, similares ao álcool (cerveja paga menos imposto que whiskey), mas baseado na taxa de THC apresentada.
O Canadá foi o primeiro país a legalizar a maconha medicinal em 2021, e o segundo a legalizar o uso recreativo, em 2018. Para o ano de 2024, espera-se atingir a marca dos US$ 5,63 bilhões com a receita do mercado de cannabis.
Sabe como funciona a arrecadação no Canadá? O governo fica com 25% das taxas fixas arrecadadas e distribui 75% entre as províncias. As taxas fixas são cobradas em cima da quantidade do material vegetal, enquanto as demais incidem sobre as vendas do produto para o consumidor final. Em alguns estados, são cobradas ainda taxas extras locais para produtos de cannabis.
A partir desses fatos, é possível observar como existe uma gama de opções de tributação em cima das diferentes finalidades da cannabis. Para se compreender como funcionam os impostos sobre a cannabis é necessário entender que cada país tem uma abordagem que vai de acordo com suas necessidades e seus objetivos. No Brasil, após a descriminalização do uso adulto da maconha e da distribuição de medicamentos à base de cannabis no SUS em várias regiões, começamos a ver um cenário mais promissor economicamente.