No dia 20 de setembro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 566471, que define novos critérios para a concessão judicial de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS). A decisão, que visa estabelecer parâmetros claros para evitar a judicialização excessiva no setor de saúde, afeta diretamente o acesso a tratamentos à base de cannabis medicinal e outros medicamentos de alto custo que, muitas vezes, são a última opção terapêutica para os pacientes.
Segundo dados do Anuário da Cannabis Medicinal 2023, de 2015 até a metade de 2023, o Brasil já gastou R$ 165 milhões com o fornecimento público de derivados de cannabis. Esse valor reflete a crescente demanda e a dependência de muitos pacientes em relação a decisões judiciais para obter acesso ao tratamento. A nova decisão do STF pode impactar diretamente esses números, dificultando ainda mais o acesso a esses produtos.
O que muda com a nova regra?
Com a nova decisão do STF, a concessão judicial de medicamentos fora das listas do SUS, como a Rename (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais), a Resme (Relação Estadual de Medicamentos Essenciais) e a Remume (Relação Municipal de Medicamentos Essenciais), passa a ser permitida apenas em situações excepcionais. Para que um paciente consiga o acesso judicial a um medicamento não incorporado ao SUS, ele deve comprovar:
- Negativa de fornecimento do medicamento pela via administrativa, ou seja, a recusa do SUS em fornecer o medicamento solicitado.
- Ausência de alternativas terapêuticas adequadas nas listas do SUS.
- Imprescindibilidade do medicamento para o tratamento da condição médica, com comprovação de que o paciente já utilizou outras opções terapêuticas disponíveis.
- Evidências científicas robustas que comprovem a eficácia e segurança do medicamento, baseadas em ensaios clínicos randomizados, revisões sistemáticas ou meta-análises.
- Incapacidade financeira do paciente para arcar com os custos do tratamento.
Além disso, a Justiça deve consultar o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS) ou outros especialistas para garantir a análise adequada do pedido, não podendo fundamentar a decisão apenas em laudos médicos apresentados pelo paciente. Com esses requisitos mais rigorosos, a concessão de medicamentos por via judicial se torna uma verdadeira exceção, protegendo o orçamento destinado à saúde pública e respeitando as políticas de acesso à saúde.
Impacto da concessão judicial de medicamentos no acesso à cannabis
A decisão do STF traz um novo desafio para o setor de cannabis medicinal, que já enfrenta dificuldades em ter seus produtos incorporados ao SUS. Atualmente, os medicamentos à base de cannabis não estão incluídos nas listas de dispensação do SUS, o que leva muitos pacientes a recorrerem à Justiça para obter o fornecimento dos produtos com apoio do Estado.
O advogado especializado em direito à saúde, Leonardo Navarro, entrevistado pelo portal Sechat, apontou que a decisão pode restringir ainda mais o acesso a esses medicamentos. “O STF, com esse posicionamento, transformou o fornecimento de medicamento pelo Estado ‘por via judicial’ em uma excepcionalidade. Os pacientes que demandarem em face de um ente público para obter medicamentos à base de cannabis enfrentarão mais dificuldades para alinhamento do contexto probatório e, com certeza, teremos reflexos nas ações para acesso a esses produtos.”
Se você tem curiosidade para entender o quanto o governo gasta com judicializações da cannabis, acesso o nosso anuário da cannabis medicinal.
Navarro também ressaltou a complexidade de atender aos novos requisitos estabelecidos pelo STF. “Comprovar a eficácia dos produtos à base de cannabis será um grande desafio, pois, apesar do crescente número de estudos, muitos ainda não atingem o nível de rigor exigido pela nova regra. Isso pode inviabilizar a obtenção de medicamentos para pacientes que dependem desse tipo de tratamento.” A entrevista completa pode ser acessada no portal Sechat.
Novo paradigma para o setor de saúde
A decisão do STF se baseia em três premissas principais: a escassez de recursos e a eficiência das políticas públicas, a igualdade de acesso à saúde e o respeito à expertise técnica e a medicina baseada em evidências. O julgamento considerou que o fornecimento de medicamentos por decisão judicial beneficia indivíduos, mas pode comprometer a sustentabilidade do sistema de saúde como um todo, prejudicando o acesso universal e igualitário.
Dessa forma, a nova regra tenta frear o elevado número de ações judiciais que impactam diretamente o orçamento do SUS, permitindo que os recursos públicos sejam aplicados de forma mais eficiente. No entanto, é importante considerar o impacto que essa decisão pode ter sobre pacientes que dependem de tratamentos que não estão disponíveis na rede pública.
O mercado de cannabis medicinal no Brasil, ainda em fase de consolidação e regulamentação, deve se preparar para um cenário mais restritivo no que diz respeito ao acesso via SUS. Com a nova decisão do STF, os advogados, médicos e pacientes terão que trabalhar de forma colaborativa para reunir um corpo de evidências científicas mais robusto, de modo a facilitar a concessão dos medicamentos quando necessário.