A Ayahuasca costuma ser produzida em formato de chás e bebidas e é utilizada com frequência em cerimônias e rituais de algumas religiões. Trata-se de uma substância psicoativa produzida a partir de duas plantas nativas da Floresta Amazônica: o cipó mariri ou jagube (Banisteriopsis caapi) e as folhas do arbusto chacrona ou rainha (Psychotria viridis).
A história do uso da Ayahuasca
O uso de substâncias psicoativas que alteram o estado natural da consciência humana tem raízes na pré-história e serviu para uma variedade de propósitos, como rituais religiosos, comunicação com o divino, promoção de sensações de bem-estar e aplicação de propriedades terapêuticas.
Os enteógenos também fazem parte desse grupo de substâncias utilizadas desde tempos antigos. Existem registros do uso de cogumelos pelos astecas nas Américas. O chá da Ayahuasca é considerado uma bebida poderosa em muitas culturas indígenas, com a capacidade de curar tanto o corpo quanto a mente, proporcionando harmonia e bem-estar. É utilizado para tratar desequilíbrios psicológicos, emocionais e físicos.
Esses sintomas podem resultar em mudanças nos sentidos e nas percepções, acompanhadas por uma sensação de conforto e bem-estar. A palavra “ayahuasca” tem origem no idioma quéchua, utilizado pelos povos indígenas da América do Sul, e se traduz como “o vinho dos espíritos” em português.
O chá possui cor, odor e sabor singulares e proporciona uma experiência com a ayahuasca frequentemente descrita como uma jornada profunda e transformadora.
Seus efeitos podem variar, abrangendo visões intensas, reflexões profundas, purificação emocional, momentos de catarse e conexões espirituais. Muitos indivíduos relatam vivenciar experiências transcendentais, estabelecer contato com entidades espirituais ou obter insights profundos sobre si mesmos e o mundo ao seu redor. Os reconhecidos “estados alterados de consciência” promovidos pelo chá podem ser considerados como alterações da percepção, cognição, volição e afetividade.
Dentro das tradições que incorporam a ayahuasca, esses rituais são considerados sagrados e carregados de profundo significado espiritual. Eles geralmente são conduzidos por líderes religiosos ou xamãs experientes, que guiam e acompanham os participantes durante toda a experiência. A partir de 1930, o uso da Ayahuasca desempenhou um papel significativo na origem de três sistemas religiosos no Brasil: a Barquinha, o Santo Daime e a União do Vegetal.
As religiões que fazem seu uso
Na segunda década do século XX, no interior do Acre, Raimundo Irineu Serra fundou a religião do Santo Daime. Essa religião celebra a ayahuasca, (conhecida como Daime neste contexto), em rituais religiosos baseados em influências do catolicismo popular, do espiritismo kardecista, dos cultos afro e do xamanismo.
Por volta 1940, foi fundada por Daniel Pereira de Mattos, também no interior do Acre, a Barquinha, uma religião que também incorpora a ayahuasca em suas tradições, e é pautada em elementos indígenas, cristãos e afro-brasileiros, com inspirações maiores na Umbanda.
Em 1961, na cidade de Porto Velho, foi estabelecida a União do Vegetal (UDV) por José Gabriel da Costa. Seus ensinamentos têm raízes em uma doutrina cristã-reencarnacionista, que incorpora elementos do espiritismo kardecista e de outras tradições religiosas urbanas. Além disso, a UDV adota uma abordagem mais sóbria e menos festiva em comparação com outras organizações, como o Santo Daime e a Barquinha, abstendo-se de danças ou cânticos com instrumentos.
Embora possuam perspectivas distintas, as três religiões fazem da ayahuasca um importante elemento em seus rituais.
Mecanismo de ação da substância
As folhas de P. viridis contêm DMT, uma triptamina considerada a principal substância psicoativa da Ayahuasca, e age sobre os receptores da serotonina. Além disso, essas folhas também têm efeitos psicoativos e impedem a degradação do DMT no corpo humano. A planta conhecida como Banisteriopsis caapi pertence à família Malpighiaceae e é nativa da região amazônica e dos Andes. Ela contém alcaloides β-carbolinas inibidores da MAO, com as maiores concentrações encontradas em harmina, harmalina e tetra-hidro-harmalina. A concentração desses alcaloides varia entre 0,05% e 1,95%.
A planta Psycotria viridis, que pertence à família Rubiaceae, contém o alcaloide derivado indólico N, N-dimetiltriptamina (DMT) em concentrações que variam de 0,1% a 0,66%. Esse composto atua diretamente nos receptores da serotonina. Devido à sua capacidade de inibir a monoaminoxidase (MAO), as β-carbolinas são capazes de aumentar os níveis de serotonina no cérebro.
O efeito primário de doses elevadas dessas substâncias é a sedação, resultante do bloqueio da desaminação da serotonina. No caso do chá da Ayahuasca, as β-carbolinas atuam como inibidores da MAO, preservando assim o DMT da degradação (elemento psicoativo) pela mesma enzima.
A expansão da Ayahuasca
A partir da década de 1970, o uso da ayahuasca transcendeu fronteiras e ganhou popularidade entre diferentes grupos, incluindo hippies, cientistas e artistas, todos atraídos pelo seu potencial promissor. Devido aos efeitos curiosos causados pela substância, as propriedades terapêuticas ayahuasca tem sido objeto de investigação no tratamento de condições como depressão, ansiedade, vícios e estresse pós-traumático.
O uso da ayahuasca no tratamento de psicopatologias ainda é uma área de pesquisa em desenvolvimento, e os resultados são mistos, mas os supostos benefícios da substância incluem melhorias no bem-estar psicológico e mental e redução de sintomas de ansiedade e depressão. Apesar dos estágios iniciais em que as pesquisas clínicas se encontram, a Ayahuasca vem apresentando efeitos terapêuticos promissores.
Há alguma contraindicação no uso da ayahuasca?
Embora os efeitos colaterais e os danos a longo prazo não sejam confirmados, é importante destacar que o uso do chá de ayahuasca pode ser perigoso para pessoas que têm diagnósticos psiquiátricos ou que estão em tratamento com medicamentos controlados. Além disso, recomenda-se fortemente evitar o seu consumo simultâneo com outras substâncias, como bebidas alcoólicas ou drogas.
Quanto aos efeitos colaterais de ordem física, é comum que indivíduos que experimentam a ayahuasca relatem efeitos colaterais desconfortáveis, como náuseas, vômitos, aumento da pressão arterial e frequência cardíaca elevada. Portanto, é aconselhável que o uso da ayahuasca seja supervisionado por pessoas experientes. Estudos envolvendo o nível de segurança da substância ainda são preliminares.
Regulamentação do uso da ayahuasca
Da perspectiva farmacológica, a mistura não provoca dependência ou vício e nem há evidências que possa promover mudanças corporais crônicas que sejam capazes de desencadear tolerância ou abstinência. A ayahuasca é uma substância complexa que pode ser vista de maneiras diferentes, dependendo do contexto cultural, religioso e legal. Em 2010, o uso religioso do Ayahuasca foi regulamentado no Brasil. Do ponto de vista terapêutico, há registros de experiências benéficas e de melhorias na sintomatologia psiquiátrica após o uso de ayahuasca. No entanto, mais estudos são necessários para avaliar todo o potencial da ayahuasca no tratamento desses distúrbios.
Parabéns pela matéria, bem completa e esclarecedora!
Muito obrigada, André! Ficamos felizes em saber que você gostou 🙂