O cannabis para veterinários no Brasil passou por uma transformação importante nos últimos anos. Durante muito tempo, os médicos-veterinários que acompanhavam a evolução do uso medicinal da planta em humanos se viam presos a uma série de brechas legais e zonas cinzentas.
Agora, com a publicação da RDC 936/2024 da Anvisa, existe finalmente um caminho claro para que esses profissionais possam prescrever produtos de forma regularizada, trazendo mais segurança para animais, tutores e para a prática clínica veterinária.
O novo cenário da cannabis para veterinários
Até pouco tempo atrás, a legislação brasileira não era clara quanto ao papel dos veterinários na prescrição de cannabis. Muitos profissionais recorriam a associações de pacientes ou a exceções legais para prescrever produtos destinados ao uso humano, o que gerava insegurança tanto para eles quanto para os tutores dos animais.
Com a RDC 936, a situação muda. Agora, os veterinários podem prescrever produtos à base de cannabis desde que registrados ou autorizados pela Anvisa e, no futuro, também aqueles avaliados e aprovados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
A prescrição deve ser feita com receituário de controle especial, o mesmo já utilizado em outros medicamentos controlados, o que garante rastreabilidade e segurança no processo.
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O que pode ser prescrito
A regulamentação deixa claro que os veterinários estão autorizados a prescrever:
- Medicamentos de cannabis registrados pela Anvisa;
- Produtos com autorização sanitária da Anvisa;
- Futuros medicamentos veterinários avaliados pelo MAPA.
Essa mudança é significativa porque, até então, os veterinários precisavam se apoiar em lacunas legais para justificar a prescrição de derivados da cannabis. A nova regra reconhece oficialmente a prática e estabelece os limites para que ela aconteça com mais segurança e transparência.
Por que a regulação é tão importante
Quem trabalha no dia a dia com pets sabe: cães e gatos sofrem de muitas das mesmas doenças que acometem os humanos, como dores crônicas, epilepsia, inflamações e até câncer. O sistema endocanabinoide, presente também nos animais, explica por que compostos como o CBD podem ter efeito positivo em tantas condições.
O grande problema é que, sem uma regulamentação clara, produtos destinados a humanos eram usados em pets, muitas vezes contendo níveis de THC que podem ser tóxicos para eles. Além disso, a falta de padronização colocava em risco a segurança dos animais.
A regulação trazida pela RDC 936 não elimina todos os desafios, mas representa um passo decisivo para garantir qualidade, rastreabilidade e controle.
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Condições com maior evidência científica
Pesquisas recentes reforçam o potencial da cannabis no tratamento veterinário. A dor crônica e a osteoartrite em cães, por exemplo, já contam com estudos que mostram melhora da mobilidade e redução do desconforto com o uso de CBD.
Outro campo de destaque é a epilepsia canina, em que o CBD demonstrou reduzir crises em pacientes refratários aos tratamentos convencionais.
Também existem bons resultados no uso de cannabis para ansiedade e estresse em pets. Cachorros que sofrem com barulhos como fogos de artifício ou que apresentam ansiedade de separação tendem a responder bem a protocolos com CBD.
Nos gatos, a ansiedade causada por mudanças de ambiente pode evoluir para vômitos, diarreia ou doenças do trato urinário. O uso de canabinoides nesses casos pode contribuir para restaurar o equilíbrio e melhorar a qualidade de vida.
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Desafios e cuidados no uso de cannabis em animais
Apesar dos avanços, o uso da cannabis em veterinária ainda exige cautela. O THC em excesso pode causar intoxicações graves em cães e gatos, com sintomas como letargia, desorientação e vômitos.
Por isso, a recomendação é que os produtos usados na rotina clínica sejam predominantemente ricos em CBD, com teores baixos e controlados de THC.
Outro ponto crucial é a dosagem. O cálculo deve levar em conta peso, espécie, condição clínica e resposta individual do animal. É sempre indicado começar com doses baixas e aumentar de forma gradual, com acompanhamento do tutor e retorno clínico programado.
A falta de regulamentação no passado trouxe muitos riscos porque produtos ilegais ou artesanais, sem controle de qualidade, circulavam no mercado. Agora, com a regulação, o veterinário pode prescrever com mais segurança — e o tutor tem a garantia de estar oferecendo ao seu pet algo regularizado.
Caminhos futuros para a cannabis veterinária no Brasil
Embora a aprovação da RDC 936 tenha sido uma conquista, ainda existem pontos a serem desenvolvidos. O principal é a estrutura de avaliação do MAPA, que terá a responsabilidade de registrar produtos veterinários à base de cannabis.
Esse processo deve abrir espaço para um mercado próprio de medicamentos voltados exclusivamente para animais, com formulações adequadas e seguras.
Outra frente de discussão é o papel das associações de pacientes. Até aqui, elas foram fundamentais para garantir acesso, mas a legislação ainda não contempla plenamente a atuação delas no contexto veterinário.
É possível que, nos próximos anos, surjam novas brechas jurídicas ou regulamentações específicas que permitam essa adequação.
De qualquer forma, o que se vê é um movimento crescente de reconhecimento da importância da cannabis na medicina veterinária, acompanhando uma tendência já consolidada em outros países.
A aprovação da RDC 936 marca o início de uma nova fase para a cannabis veterinária no Brasil. A regulamentação trouxe clareza sobre quem pode prescrever, quais produtos podem ser usados e quais limites precisam ser respeitados.
Ainda há desafios, especialmente no registro de novos medicamentos e no acesso a produtos específicos para pets, mas o avanço é inegável.
Para os tutores, a notícia significa mais segurança e opções de tratamento. Para os profissionais, é a chance de trabalhar com protocolos respaldados pela lei e pela ciência. O futuro da cannabis veterinária no país passa a ser mais promissor, trazendo novas possibilidades de cuidado e qualidade de vida para os animais.


